Para ter voz no evento, o país precisaria ter ratificado o acordo até esta sexta-feira (9). Agora, representantes do governo brasileiro só poderão participar como observadores.
Quarto maior exportador de armas pequenas do mundo segundo o Small Arms Survey 2015 e um dos primeiros a assinar o tratado, há exatamente quatro anos, o Brasil assistiu grandes produtores mundiais como Reino Unido, França, Alemanha e Itália aderirem ao acordo e assumirem protagonismo na regulação internacional do comércio de armas.
O processo de ratificação está parado Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara desde dezembro de 2015. O relator Lincoln Portela (PRB-MG) foi designado em maio de 2016, mas ainda não apresentou seu parecer.
A demora chama atenção das autoridades envolvidas na implementação do TCA. Klaus Korhonen, presidente do tratado, está no Brasil desde a última quarta-feira (7) em missão oficial e já participou de reuniões nos ministérios da Justiça, Defesa e Relações Exteriores. Ele também se encontrou com Portela e com representantes de organizações da sociedade civil. O objetivo da viagem era impulsionar a ratificação brasileira e garantir universalização do acordo.
O Brasil é o único país da América Latina e Caribe a ser visitado por Korhonen. Também compõe a delegação a diretora do UNLIREC (Centro das Nações Unidas para a Paz, o Desarmamento e o Desenvolvimento na América Latina e o Caribe), Melanie Régimbal.
Durante a 3ª Conferência dos Estados Partes, que ocorrerá entre os dias 11 e 15/9, em Genebra, na Suíça, serão definidos aspectos sobre a prestação de contas por parte dos países, além de estratégias para a implementação e universalização do acordo.
“A visita do presidente do tratado mostra que o Brasil está cada vez mais isolado. Enquanto não ratificar o TCA, o país seguirá à margem de um processo global de extrema importância e não poderá influenciar a definição de aspectos estratégicos relacionados ao funcionamento do acordo”, afirma Jefferson Nascimento, assessor de Política Externa da Conectas Direitos Humanos.
Segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, desde a assinatura do TCA em junho de 2013, mais de US$ 1,46 bilhão em armas e munições foi exportado pelo Brasil para 111 diferentes países.
Controle e transparência
Ao todo, 92 países já ratificaram o TCA. Ao aderir ao acordo, eles se comprometeram a não transferir armas ou munições para países sob embargo da ONU ou que possam utilizar esses equipamentos em crimes contra a humanidade, crimes de guerra e genocídio.
Outra exigência do tratado é que as transações sejam mais transparentes: todos os Estados partes devem prestar contas anualmente de suas importações e exportações.
Esse aspecto é especialmente relevante para o Brasil: apesar de ser um dos principais fabricantes mundiais de armamentos, o país está entre os mais opacos, ainda de acordo a Small Arms Survey. No último barômetro de transparência publicado pela entidade em 2014, o Brasil aparecia na 43ª posição entre 53 países.
A atual política brasileira de exportação de armas e munições militares é regulada por um decreto secreto da ditadura militar, a PNEMEN (Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar). O conteúdo deste documento jamais foi revelado.
A falta de transparência no controle sobre as exportações tem gerado constrangimento internacional ao Brasil. Relatório da ONU publicado em fevereiro de 2017 indica que a fabricante brasileira Taurus negociou e enviou um carregamento de oito mil armas ao Iêmen através de um dos maiores traficantes de armas do mundo, cerca de três meses antes de o país ser colocado sob embargo. O Iêmen vive uma cruenta guerra civil desde 2015.
Em 2013, a ONU também encontrou armas menos letais de fabricação brasileira na Costa do Marfim, que está sob embargo do Conselho de Segurança.
“Esses casos mostram que não faltam razões para a ratificação do TCA e, mais, mostram que cada dia de atraso por parte do Brasil pode ter impacto direto na vida de milhares de pessoas em outros países. A ratificação não deve ser vista como um imbróglio político e burocrático, mas como uma questão de urgência humanitária”, completa Nascimento.