Após cinquenta e dois anos de conflito armado, a Colômbia está em vias de referendar um histórico acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) – o mais antigo grupo guerrilheiro da América Latina.
Neste domingo, 2, os eleitores do país comparecem às urnas para confirmar os termos do acordo discutido em Havana, em agosto, e assinado na segunda-feira, 26, em Cartagena, entre o presidente Juan Manuel Santos e o líder das Farc Rodrigo “Timochenko” Londoño na presença de 15 chefes de Estado, chanceleres e até do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon. A participação massiva da comunidade internacional durante a assinatura do acordo reflete que o pacto terá apoio político mundial, além de cooperação técnica e fundos econômicos para a implementação das medidas acordadas.
Criadas em 1964, as Farc e o governo colombiano já tentaram anteriormente negociar a paz. O atual acordo é fruto de negociações que tiveram início em 2012 e que somente agora chegam a uma proposta concreta. Ainda assim, passará por uma consulta popular como forma de ganhar maior legitimidade política.
Se, por um lado, existe uma forte oposição por parte dos que acreditam que o acordo é muito brando com os crimes cometidos, ele é o melhor que poderia ter sido feito sob as atuais circunstâncias. O texto parte do princípio de que a prisão não é a única forma de reparação às vítimas e que alguns crimes terão tratamento diferenciado para finalmente se chegar à paz. O conceito de justiça, neste contexto, inclui também a possibilidade de a Colômbia escrever um novo desfecho para a obscura história desse período de conflito. É nesse sentido que se estabeleceu um mecanismo amplo, que nos permite acreditar que, a partir da consulta popular e de sua integral implementação, será possível assegurar uma paz duradoura.
Apoiar o acordo é a melhor opção para pôr fim ao maior e mais longo conflito armado e às violações sistemáticas de direitos humanos que afligem a população colombiana, sobretudo a rural, e que já cobraram 7,9 milhões de vítimas. Por si só, esse número já mostra o tamanho do desafio para se conseguir justiça, verdade e reparação – os três pilares do acordo.
Além de determinar a entrega das armas sob supervisão de observadores internacionais, no retorno à vida civil, os atuais guerrilheiros terão assegurada a sua constituição como partido político. Os movimentos e organizações sociais dos territórios afetados pelo conflito, e que não possuem representatividade no Congresso, terão assentos garantidos na Câmara de Representantes, por um tempo limitado, de forma a integrá-los formalmente à participação política do país.
O acordo busca ainda dar respostas às questões que motivaram e intensificaram o conflito, como a reforma agrária. O plano prevê uma série de medidas para garantir o acesso mais igualitário à terra e permitir o retorno a suas propriedades de populações que se deslocaram em função do conflito. Juntamente com a reforma rural integral, se pretende abordar a questão das drogas do ponto de vista da saúde pública.
Para a reparação às vítimas, serão determinadas penas especiais, entre elas atos de reconhecimento de responsabilidade, reparação coletiva a grupos e/ou comunidades, retorno de comunidades deslocadas a suas terras de origem e atendimento psicossocial. Será ainda constituída uma Comissão da Verdade que, sem papel judicial, publicará um relatório para esclarecer os fatos do conflito. Além disso, a Unidade de Busca de Desaparecidos pretende identificar e localizar desaparecidos forçados.
Outro aspecto importante do acordo de paz é reconhecer como ator político e como vítimas especiais as mulheres e as pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. Esse é um precedente fundamental na questão de gênero não só para a Colômbia, mas também para outros países.
Sabemos que a paz perfeita é um conceito inexistente quando levadas em consideração as demandas de ambos os lados de um conflito. Foi preciso maturidade política para que o governo e as Farc se sentassem lado a lado em uma negociação que preza pela redução de danos a médio e longo prazos. Para a sua implementação, será necessário o apoio da sociedade colombiana e da comunidade internacional para também garantir que as comunidades mais vulneráveis tenham acesso à justiça, reparação e verdade. Se o acordo for referendado pelas urnas hoje, a Colômbia escreverá um novo capítulo de sua História que, oxalá, sirva de exemplo para conflitos que persistem em outras partes do mundo.
Se o “sim” sair vitorioso nas urnas, será criado um mecanismo chamado “jurisdição especial para a paz”, que exercerá o papel do Estado colombiano em investigar, esclarecer, julgar e determinar penas às violações graves ao Direito Humanitário Internacional cometidas em razão do conflito. Não serão anistiados os delitos de lesa humanidade, o genocídio, os graves crimes de guerra, a privação de liberdade, a tortura, execuções extrajudiciais, desaparições e deslocamentos forçados, violência sexual e o recrutamento de menores, além de delitos comuns que não comprovem relação com o conflito. Todos esses crimes serão julgados pelo Tribunal da Paz, que poderá determinar penas que podem chegar a até 20 anos de privação de liberdade.
Viviana Bohórquez Monsalve é advogada colombiana e ativista de direitos humanos.
Jessica Carvalho Morris é diretora-executiva da Conectas Direitos Humanos.
Clique aqui para ler o original.