Depois de 20 anos da primeira experiência com cotas na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e de uma década da aprovação da lei federal de cotas, especialistas em educação, relações étnico-raciais e defensores/as dos direitos humanos avaliam se essas políticas têm cumprido suas metas e quais os próximos passos que devem ser tomados no campo das ações afirmativas.
Pós-doutora pela University of Columbia, professora do Departamento de Sociologia da USP (Universidade de São Paulo) e coordenadora do Afro-Cebrap (Núcleo de Pesquisa sobre Raça, Gênero e Justiça Racial – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), Márcia Lima considera que os dados coletados através de pesquisadores dedicados ao tema permitem indicar que a efetividade da Lei de Cotas é positiva.
Ao lado de Luiz Augusto Campos, professor de sociologia da Uerj e coordenador do Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa), Lima coordena o Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas, que integra especialistas de universidades como UFBA, UnB, UFRJ, UFMG, UFSC, Uerj e Unicamp. O propósito do projeto é produzir dados de análise sobre a política de cotas.
À Conectas, a socióloga reflete sobre os desafios enfrentados depois dos primeiros anos da medida e o que precisa ser melhorado para que ela cumpra seu papel.
Márcia Lima – Acho que o grande desafio da lei é a sua avaliação, conhecer de maneira mais ampla seus resultados. Conseguimos fazer muita coisa com o Consórcio [de Acompanhamento de Ações Afirmativas], mas ainda precisamos de mais transparência para poder fazer uma avaliação mais aprofundada.
Além disso, acho que a questão dos indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência merece um tratamento diferenciado. Acho que a Lei 12.711 não consegue dar conta desses grupos. E ainda tem a questão dos cursos mais concorridos e de alta performance, nos quais a inserção dos negros ainda é bastante desigual.
Outro elemento é a questão do formato das cotas. A gente sempre fala de cotistas e não cotistas, mas também temos os não cotistas que são ampla concorrência; o cotista de escola pública com renda até 1,5 salário mínimo; o cotista de escola pública com renda acima de 1,5 salário mínimo; o cotista de escola pública preto, parto ou indígena com renda de até 1,5 salário mínimo; e o cotista de escola pública preto, parto ou indígena com renda acima de 1,5 salário mínimo. Esses grupos são muito heterogêneos e a gente tende a simplificar muito a interpretação falando de cotistas e não cotistas. Precisamos trabalhar mais e entender melhor cada um dos desafios que esses grupos trazem.
Márcia Lima –Considerando o contexto do governo Bolsonaro, a melhor situação que a gente tem hoje é que essa revisão não ande. Acho que há questões políticas para isso, mas, no fundo, tem uma questão técnica. Não tem como o governo revisar uma coisa que não conhece. O conhecimento que temos foi construído a partir de estudos de caso, de dados agregados, precisamos de mais informações para produzir algum avanço na Lei. Faltam condições técnicas e condições políticas para um debate honesto.
Márcia Lima – O Consórcio surge exatamente de uma iniciativa nossa de tentar cobrir esse buraco de avaliação das políticas. É uma articulação de núcleos de pesquisa que se reuniram para produzir dados de análise sobre a política de cotas. A gente tem que sistematizar mais esse conhecimento, a partir da própria experiência desses grupos formados por pessoas dedicadas a estudar essa agenda. Tentamos não só sistematizar os dados das universidades mas também a produção de conhecimento sobre esse tema.
Márcia Lima – Vou repetir a questão dos indígenas, dos quilombolas e das pessoas com deficiência, que eu acho que precisa ser aperfeiçoada. Também precisamos aperfeiçoar o corte de renda, e precisamos entender melhor as dificuldades de acesso de pessoas pretas, pardas e indígenas a determinados cursos e carreiras.
Márcia Lima – A diversidade é uma característica favorável a toda sociedade. Uma universidade com diversidade é uma universidade com mais qualidade. Isso também impacta no aumento da proporção de pessoas qualificadas para o mercado de trabalho, uma população com mais escolaridade é algo que interessa a todos. Além do forte impacto da inclusão de pessoas pretas, pardas e indígenas, temos ainda a inclusão das classes C, D e E nas universidades públicas brasileiras.