O Brasil iniciou o quarto ciclo da RPU (Revisão Periódica Universal), no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça. Na ocasião — uma espécie de prestação de contas na área dos direitos humanos, que acontece a cada quatro anos —, 119 Estados-membros fizeram recomendações ao país tendo como base três documentos: o que o Brasil diz sobre si mesmo; os problemas apontados pela sociedade civil; e o compilado de relatórios de agências da ONU sobre os direitos humanos no Brasil.
O documento no qual aponta suas próprias medidas foi elaborado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e foi divulgado pelo governo em maio de 2022, tendo como base as recomendações feitas no terceiro ciclo. De acordo com a análise do Coletivo RPU, composto por 30 organizações brasileiras que acompanham o processo de revisão, o relatório do Estado brasileiro “está muito longe de espelhar a triste realidade atual, os desmontes e os retrocessos dos direitos humanos ocorridos no país nos últimos anos.”
Por fim, em novembro, a ONU divulgou o relatório com as recomendações dos Estados-membros. A Conectas separou as principais delas:
A necessidade de demarcar territórios indígenas, fortalecer órgãos de proteção e rejeitar a tese do marco temporal foi lembrada por 25 países. Como recomendou a Suíça, é urgente que o Brasil promova 1) “os direitos constitucionais dos Povos Indígenas, retomando, sem demora, o processo de demarcação de suas terras, destinando recursos financeiros e humanos para protegê-los”, lembrando ainda que é preciso “fortalecer instituições-chave como a Funai (Fundação Nacional do Índio)”.
A Noruega também reforçou essa necessidade, ao recomendar que o Brasil 2) “complete os processos de demarcação de terras, rejeite a tese do marco temporal e assegure que os povos indígenas sejam protegidos de ameaças, ataques e expulsões forçadas”, além de assegurar o “respeito ao direito dos povos indígenas do consentimento livre, prévio e informado ao estabelecer procedimentos formais e inclusivos”.
De acordo com a ONG internacional Global Witness, o Brasil ocupa o topo dos países que mais matam defensores de direitos humanos em todo o mundo, com 342 assassinatos nos últimos dez anos. Não à toa, entre os países avaliadores, 16 cobraram proteção a defensores dos direitos humanos e ambientais e jornalistas como forma de garantir a atuação da sociedade civil e a liberdade de imprensa.
“Para além do número recorde de mortes de defensores registradas, o governo federal trabalhou ativamente nos últimos quatro anos para criminalizar o trabalho da sociedade civil e perseguir opositores, bem como para combater a demarcação de terras indígenas, aumentar o armamento da população e incitar ataques à imprensa”, lembra Camila Asano, diretora de programas da Conectas.
Entre as recomendações, países como a Suécia afirmaram que é preciso 3) “garantir que ameaças e ataques contra todos os defensores dos direitos humanos sejam prontamente e minuciosamente investigados, e que os responsáveis respondam de acordo com o devido processo e o estado de direito”.
O combate ao racismo e à violência contra a população negra também foi um dos maiores destaques do documento. Mais de 15 países pediram ao Brasil maior atenção à letalidade policial contra população negra, aos desaparecimentos forçados, à prevenção e combate à tortura e acesso à justiça à população mais pobre.
Como destacou o Canadá, é preciso 4) “tomar medidas para prevenir, investigar e processar alegados casos de abuso policial, com ações específicas para enfrentar o racismo e a violência, especialmente para os afro-brasileiros”. Já os Estados Unidos lembraram ainda a 6) necessidade de proteger a liberdade de religião e crença.
Integrando diversos fatores sociais, a Argentina recomendou que 5) “se continue trabalhando a fim de adotar reformas pertinentes que promovam uma estrutura legal e um marco de política pública que permita um combate mais efetivo contra o racismo, a discriminação e a violência estrutural contra afrodescendentes, com uma perspectiva interseccional que inclui pessoas LGBTIQ+ e medidas para prevenir crimes por preconceito contra a população trans e travestis, bem como travesticídios e transfeminicídios”.
Por mais de uma vez, durante a sessão, a comitiva brasileira reforçou que o Brasil entende a vida a partir da concepção, contrariando a própria legislação brasileira, que prevê o aborto em casos de estupro, risco de morte da mãe ou anencefalia, via determinação do Supremo Tribunal Federal.
A dissonância em relação ao tema realçou as recomendações dos Estados-membros, que pediram respeito aos direitos das mulheres, seja no combate à violência de gênero ou no pleno acesso a direitos sexuais e reprodutivos. A recomendação de 7) “assegurar que o direito das mulheres de acessar livremente abortos seguros e legais seja garantido, sem entraves burocráticos ou discriminações, e em condições que atendam à necessidade de privacidade, respeito e apoio” foi lembrada pela Austrália.