A falta de solução para o caso Marielle, ataques aos povos indígenas e projetos de leis que ampliam a noção de terrorismo são alguns problemas para a efetivação da democracia no Brasil. A avaliação é de Clément Voule, relator especial das Nações Unidas sobre os direitos à liberdade de assembleia e de associação. O especialista divulgou, no final de junho, suas recomendações ao Estado brasileiro.
O relatório da ONU é fruto de uma visita de 10 dias que Voule realizou ao Brasil, em abril de 2022. Durante a estada no país, o relator especial esteve em Brasília, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, se reunindo com autoridades, jornalistas e com a sociedade civil.
No documento, ele também destacou as ameaças ao direito à liberdade de reunião e associação nos últimos anos, atribuídos à extinção de mecanismos participativos nacionais e à polarização política no país. “As garantias constitucionais foram afetadas negativamente nos últimos anos como resultado da proliferação de leis e decretos adotados pelas autoridades brasileiras em uma tentativa de minar esses direitos”, afirma o especialista. “Essas leis e decretos enfraqueceram a democracia do país”.
Apesar dos problemas, o relator especial ressaltou “o papel crucial da vibrante sociedade civil brasileira na salvaguarda da democracia e da coesão do país”. Em sua avaliação, “a sociedade civil tem resistido ao discurso populista que enfraquece a legitimidade de seu trabalho e tem combatido o aumento de medidas legais e leis restritivas ao espaço cívico e à participação nos assuntos públicos. Para ele, a atuação da sociedade civil foi “especialmente notável nas recentes eleições, em que as comunidades puderam exercer pacificamente seu direito de voto e eleger representantes.”
De acordo com Camila Asano, diretora-executiva da Conectas, o relatório reflete problemas importantes, e que persistem mesmo no contexto atual: “há no Congresso Nacional diversas propostas legislativas que tentam restringir, vigiar e atacar a atuação de movimentos sociais e organizações da sociedade civil. A manifestação do relator, portanto, torna-se um instrumento a mais para cobrar a ampliação da participação social no país”. No dia 30 de junho, a Conectas promoveu na sede da ONU, em Genebra (Suíça), um evento paralelo em conjunto com a entidade Terra de Direitos para dialogar com o relator a respeito do relatório e outros pontos que devem ser considerados para a proteção da sociedade civil. Além de Asano e Volue, participaram do encontro Gabriel Dantas (Geledés, por vídeo), Camila Gomes (Terra de Direitos) e Lucineia do Rosário (MST).
Um outro problema relatado foi a repressão policial a determinados grupos sociais, incluindo os povos indígenas. Recentemente, um ato religioso do povo Guarani Mbya da Terra Indígena Jaraguá, relacionado à pauta nacional de oposição à aprovação do Projeto de Lei no 490/2007, sobre a demarcação de terras indígenas no Brasil (conhecido como PL do Marco Temporal), foi violentamente reprimido pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, violando o direito à livre manifestação e culto da comunidade.
Em sessão no Conselho de Direitos Humanos da ONU, organizações da sociedade civil brasileira fizeram um discurso ressaltando os problemas listados pelo relator e pediram que Voule “inste o Estado brasileiro a respeitar as obrigações e compromissos assumidos em relação ao tema e a implementar as recomendações emanadas de seu relatório após a visita ao Brasil, incluindo a recomendação que reforça que a legislação nacional deve garantir o exercício da liberdade de associação como forma de preservar um sistema democrático efetivo e plural”. O discurso foi assinado por Conectas, Justiça Global, Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Terra de Direitos, Rede Justiça Criminal e Artigo 19.