Moradores da zona sul de São Paulo participam da 18ª Caminhada pela Vida e pela Paz. Foto: Marcelo Camargo/ABr

Ao contrário do que se poderia imaginar, o isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19 fez disparar as mortes provocadas pelas polícias em São Paulo. O estado registrou os piores indicadores de sua história para um primeiro trimestre, com 514 pessoas assassinadas pelas mãos do Poder Público. Os dados reforçaram a urgência e relevância de uma ACP (Ação Civil Pública) protocolada pelo Ministério Público em maio de 2019. 

O processo pede diversas providências para enfrentar a letalidade policial, entre elas a declaração de um “estado inconstitucional de coisas” na segurança pública paulista e o reconhecimento de seu impacto especialmente nefasto sobre a juventude negra.

Em agosto de 2020, um grupo de 12 entidades, entre elas a Conectas, apresentou um amicus curiae reforçando os dados e argumentos trazidos pelo MP-SP na ação. O documento explica que a violência policial no país acontece por uma via “informal” (as execuções sumárias), mas também por uma via “legalizada”, escondida em expedientes caracterizados como “confronto” ou “resistência”. 

As organizações também afirmam que esse tipo de violência está diretamente vinculado ao racismo institucional – o que fica evidente ao observar o perfil das principais vítimas: homens, jovens e negros. Isso viola diretamente o Estatuto da Igualdade Racial, que coloca sobre o Estado a responsabilidade de coibir a violência policial que historicamente recai sobre a população negra.

O atual estado de coisas na segurança pública também viola os direitos fundamentais protegidos pela Constituição e por diversos tratados internacionais ratificados pelo país, como o direito à vida, à integridade pessoal, à liberdade e segurança pessoais e à proteção judicial; e também princípios relacionados à administração pública, como os da publicidade, moralidade e eficiência. Também atropela o princípio da legalidade, basilar no Estado de Direito, que estabelece que o Poder Público só pode fazer aquilo que a lei autoriza (tudo o que exceda esse limite configura abuso).

O outra face do problema apresentada pelas organizações é a inação e leniência do Estado diante dos casos de violência, já que poucos resultam em responsabilização de agentes ou de seus superiores, impedindo o acesso das vítimas e suas famílias a uma ordem jurídica justa. Por fim, o amicus também toca nos efeitos da letalidade policial sobre os direitos da infância, que tem prioridade absoluta no desenho de normas e políticas públicas no Brasil. O documento recorda que a polícia é a principal responsável por mortes intencionais de crianças e adolescentes em São Paulo.

Diversos levantamentos mostram que a polícia brasileira é uma das mais letais do mundo. Entre 2009 e 2016, quase 22 mil pessoas foram mortas pelas forças de segurança no Brasil, número superior ao total de pessoas mortas em 30 anos pela polícia dos EUA, entre 1983 e 2012. Apenas em 2018, a polícia brasileira matou 6.220 pessoas, aproximadamente dezessete pessoas por dia.


Ficha técnica

  • Ação: ADI 6286
  • Instância: 4ª Vara de Fazenda Pública TJ-SP
  • Status: “Aguardando sentença de 1º grau; pedido de amicus curiae ainda em análise
  • Tramitação:
    • 21/5/19: Petição inicial
    • 24/8/20: Pedido de ingresso das entidades como amicus curiae