Em um dos casos mais importantes sobre os direitos dos povos indígenas no Brasil, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e a Rede Sustentabilidade pedem ao Supremo Tribunal Federal (STF) a inconstitucionalidade de lei aprovada (Lei nº 14.701/2023) pelo Congresso Nacional sobre o marco temporal para a demarcação das terras indígenas. A discussão está no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7582).
Uma das principais problemáticas introduzidas pela lei é que restringe o direito à demarcação apenas às terras ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ignorando violações históricas que essas populações sofreram.
A Apib e os partidos alegam que o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) 1017365, já havia rejeitado a tese do marco temporal, o que torna a nova legislação um retrocesso inaceitável para os direitos indígenas. A Conectas, atuando como amicus curiae junto com a Comissão Arns, reforça essa contestação.
As organizações argumentam que a Lei nº 14.701/2023 não só viola as diretrizes constitucionais consagradas na Constituição Federal e reconhecidas pelo STF, como também contraria convenções internacionais de direitos humanos ratificadas pelo Brasil. A Conectas destaca que a institucionalização da tese do marco temporal gera insegurança jurídica, intensificando conflitos fundiários, invasões ilegais e a exploração desenfreada de recursos naturais, o que afeta diretamente a segurança e os direitos dos povos indígenas.
No plano internacional, as entidades enfatizam que a nova legislação desrespeita a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito de consulta prévia aos povos indígenas sobre decisões que afetem suas terras e seus meios de vida. Além disso, ela também desafia compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, ao ameaçar a biodiversidade e o combate às mudanças climáticas.
Impacto e riscos da legislação
Para as autoras da ADI nº 7.582, a aprovação da Lei nº 14.701/2023 representa o maior retrocesso em termos de direitos indígenas desde a redemocratização do Brasil. A norma, segundo elas, não só aumenta a violência contra essas populações, mas também prejudica a sociedade como um todo, ao agravar a degradação ambiental e intensificar a crise climática. O risco maior é que a Lei cria obstáculos quase intransponíveis para o processo de demarcação de terras, comprometendo o reconhecimento do direito originário dos povos indígenas ao território.
O caso do marco temporal, que tramita conjuntamente com outras ações relacionadas (como a ADC 87 e as ADIs 7.582, 7.583 e 7.586), está em curso no STF. O ministro relator, Gilmar Mendes, adotou um método consensual de solução de conflitos, instaurando uma comissão especial para tentar conciliar as partes envolvidas. As mesas de conciliação foram iniciadas em agosto de 2024 e os trabalhos têm previsão de duração até 18 de dezembro de 2024.
Em setembro de 2024, a Apip se retirou da mesa por entender que “qualquer negociação sobre direitos fundamentais é inadmissível”. Após a saída da articulação indígena, doze organizações de direitos humanos e socioambientais reforçaram as críticas à condução e à falta de clareza acerca do objeto em debate na mesa de conciliação.
Caso a Lei nº 14.701/2023 seja mantida, o processo de demarcação de diversas Terras Indígenas poderá ser comprometido, o que representaria um retrocesso social que prejudicaria não apenas os povos indígenas, mas toda a sociedade brasileira. A preservação dos territórios indígenas está diretamente relacionada à proteção do meio ambiente, e sua perda pode agravar ainda mais as crises climáticas e ecológicas que já afetam o Brasil e o mundo.
Embora o desfecho ainda dependa do andamento das negociações, a luta contra o marco temporal segue mobilizando organizações da sociedade civil e povos indígenas de todo o Brasil.
Ficha técnica:
- Ação: Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
- Instância: STF
- Status: Aguardando julgamento
- Tramitação:
- 28/12/2023 – Inicial da ADI 7585
10/01/2024 – Pedido de ingresso da Conectas e parceiros como amici curiae
22/04/2024 – Decisão que determinou que a ação siga por meios consensuais de solução de litígios instaurando uma câmara de conciliação entre as partes interessadas
5/8/24 – Realizada primeira audiência da câmara de conciliação
28/8/24 – data designada para segunda audiência da mesa de conciliação