A pandemia agravou a situação de vulnerabilidade de migrantes que cruzam as fronteiras do Brasil em busca de segurança, refúgio ou recomeço. Valendo-se da afirmação de que a entrada de pessoas vindas da Venezuela poderia piorar a crise sanitária – jamais confirmada por documentos técnicos da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) -, o governo federal publicou diversas portarias para subsidiar a entrada e o pedido de refúgio de cidadãos venezuelanos pelas fronteiras terrestres. .
Estas portarias de fronteira, de conteúdo idêntico, pretendiam regulamentar o art. 3º, VI, da Lei 13.979/2020, que definiu a situação de calamidade no Brasil por conta da pandemia. Na prática, a sua aplicação provocou o abandono de dezenas de pessoas – inclusive crianças, idosos e mulheres grávidas – na ponte que conecta a cidade de Assis Brasil com a localidade peruana de Iñapari.
Para a Conectas, o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União e a Caritas Arquidiocesana de São Paulo, a medida do governo viola a Lei de Migrações e a Lei de Refúgio, tratados internacionais como a Convenção de Genebra (1951) e a Declaração de Cartagena (1984), e a Constituição Federal.
Outro princípio atropelado pelas portarias é o de non-refoulement, que veda o retorno forçado do migrante ao Estado que o submeta a tratamento desumano ou degradante, ou ainda que o persiga politicamente.
Diante desse cenário, as entidades apresentaram uma Ação Civil Pública contra a União demandando a anulação de atos de deportação e a regularização dos migrantes que chegam às fronteiras do Acre.
O juiz de primeira instância acolheu parcialmente o pedido liminar, suspendendo as deportações e obrigando o Estado brasileiro a assegurar o direito de solicitação de refúgio. O governo federal recorreu da decisão e conseguiu derrubar a liminar, apesar dos embargos internos apresentados pelas entidades peticionárias.
Embora migrantes provindos da Venezuela compreendam o maior fluxo humano em direção ao Brasil, que os reconhece como vítimas de graves e generalizadas violações de direitos humanos, apenas haitianos e sírios podem requerer o visto temporário de acolhida humanitária no país.
Ficha técnica
- Ação: ACP 1004501-35.2020.4.01.3000
- Instância: 3ª Vara Federal Cível e Criminal da SJAC Seção Judiciária do Acre / Tribunal Regional Federal da 1ª Região
- Status: Aguardando decisão de mérito por parte do TRF-1 e o julgamento sobre o recurso apresentado pela União.
- Tramitação:
- 17/08/20: Petição inicial
- 19/8/20: Decisão em primeira instância defere parcialmente o pedido de tutela de urgência
- 20/8/20: União apresenta agravo de instrumento contra concessão de tutela de urgência
- 3/9/20: Decisão concede tutela antecipada recursal
- 9/9/20: Peticionários apresentam agravos internos à decisão da tutela antecipada recursal
- 8/10/20: Decisão considera o pedido de reconsideração prejudicado e defere o pedido do MP para afastar o sigilo dos documentos da Anvisa que embasaram as portarias