Em 7 de abril de 2019, militares do Exército abriram fogo contra um carro na Vila Militar, zona norte do Rio de Janeiro, resultando na morte do músico Evaldo Rosa dos Santos. Além de Evaldo, estavam no veículo sua esposa, seu filho de sete anos, seu sogro e uma amiga. O ataque resultou em 257 tiros disparados na direção do carro, segundo a perícia. Onze dias depois, Luciano Macedo, um catador de lixo reciclável alvejado pelos militares por tentar ajudar a família, também faleceu em decorrência dos ferimentos. Os oficiais faziam um patrulhamento no perímetro de segurança da área militar.
O caso é uma das raras condenações de militares pela morte de civis na Justiça Militar: em primeira instância, os oficiais foram condenados pelo homicídio de Evaldo e Luciano. No entanto, o julgamento do recurso de apelação criminal, que começou em março de 2024, colocou essa decisão em risco. Até o momento, dois ministros do STM já votaram pela absolvição dos condenados pelo homicídio de Evaldo Rosa dos Santos, citando a inexistência de provas suficientes e considerando a possibilidade de crime impossível. Quanto ao homicídio de Luciano Macedo, votaram pela desclassificação do crime de doloso para culposo, reduzindo a pena para cerca de três anos em regime aberto, com base na legítima defesa putativa. O que aponta para a incompetência dos tribunais militares em julgar seus pares em crimes contra a vida de civis.
A Conectas, junto com o Instituto Odara, o Instituto de Defesa da População Negra e a Justiça Global, protocolaram pedido de ingresso como amicus curiae no processo. Essas organizações argumentam na petição que a confirmação da absolvição e desclassificação dos militares em sede de apelação criminal exemplifica a inconstitucionalidade da Lei 13.491/2017, que transferiu para a Justiça Militar a competência para julgar crimes dolosos contra a vida cometidos por militares em atividades consideradas de natureza militar. A tese jurídica defendida pela Conectas destaca que essa expansão da competência da Justiça Militar viola princípios democráticos, compromete a imparcialidade dos julgadores e vai contra parâmetros internacionais de direitos humanos. Dessa forma, para além da luta por justiça pela morte de Evaldo e Luciano, o caso provoca uma discussão mais ampla sobre a adequação da Justiça Militar para julgar crimes dolosos contra a vida de civis cometidos por militares.
A importância do Caso Guadalupe reside no seu potencial para redefinir os limites da atuação da Justiça Militar no Brasil. A absolvição dos agentes pelo STM só reforça os argumentos contra a competência da Justiça Militar para julgar esses crimes, destacando a necessidade de que tais casos sejam submetidos à Justiça Comum e ao Tribunal do Júri.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já manifestou preocupações sobre a capacidade da Justiça Militar de julgar com imparcialidade crimes cometidos por seus pares no Brasil. A possibilidade de absolvição dos militares no STM poderia levar a uma nova onda de críticas e pressões internacionais, colocando o Brasil sob o olhar atento de organismos internacionais de direitos humanos.
O julgamento foi suspenso após o pedido de vista da Ministra Maria Elizabeth Rocha, e ainda não há uma data definida para sua retomada. O resultado deste julgamento tem o potencial de não apenas definir o destino dos militares envolvidos, mas também de influenciar a legislação e a jurisprudência sobre a competência da Justiça Militar para julgar crimes contra civis, impactando diretamente a proteção dos direitos humanos no país.
Ficha técnica:
- Ação: Apelação Criminal
- Instância:2ª Instância – Superior Tribunal Militar
- Status: Aguardando julgamento
- Tramitação:
- 10/05/19 – Oferecimento da denúncia
- 26/11/21 – Sentença de condenação 1ª instância
- 02/12/21 – Defesa interpôs recurso de apelação
- 01/03/24 – Início da sessão de julgamento da apelação no STM, suspensa por pedido de vista da Ministra Maria Elizabeth Rocha
- 30/08/2024 – protocolo pedido de ingresso como amici Conectas, Odara, IDPN e Justiça Global