Em fevereiro de 2021, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos anunciou, por meio de uma portaria, a instituição de um grupo de trabalho para revisar o PNDH (Plano Nacional de Direitos Humanos) – um conjunto de políticas públicas construído ao longo de anos de debates em conferências regionais e nacionais, com ampla participação da sociedade civil.
Segundo a portaria, o grupo responsável pelo processo não contará com nenhum representante da sociedade civil, e suas discussões serão sigilosas. Em outras palavras, a proposta do Ministério é alterar os pactos que resultaram no PNDH, com potencial impacto sobre a vida de milhões de pessoas, sem qualquer participação social e publicidade do trabalho.
O PCdoB (Partido Comunista do Brasil) ingressou no STF (Supremo Tribunal Federal) com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), de número 795, para questionar a constitucionalidade da medida. A legenda afirma que o tema é especialmente importante para grupos historicamente vulnerabilizados, que encontram na PNDH um instrumento de proteção e ação.
Em maio de 2021, Conectas, Artigo 19 e Comissão Arns pediram habilitação no caso como amicus curiae e endossaram os argumentos e os pedidos da petição inicial. As entidades dividem seu posicionamento em dois grandes blocos: o direito à participação social e a violação das regras sobre transparência e acesso à informação.
Em relação ao primeiro ponto, as organizações recuperam uma série de tratados internacionais ratificados pelo Brasil, que garantem o direito à participação direta como componente central da democracia – entre eles, a Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos.
Elas destacam também precedentes e orientações de órgãos internacionais, como é o caso da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA), que sustenta que “a participação ativa das pessoas nas decisões públicas – entre elas, no ciclo das políticas públicas – é não só desejável, mas também um direito exigível e uma obrigação do Estado”. Ainda de acordo com a CIDH, a participação não pode estar restrita às maiorias e é um componente central na defesa de direitos das populações historicamente vulnerabilizadas.
A interpretação do ACNUDH (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos) vai no mesmo sentido: em suas diretrizes sobre o direito à participação social, o órgão destaca que a sociedade deve ser incluída nos processos de tomada de decisão a fim de assegurar que as suas prioridades e necessidades sejam contempladas, garantindo espaço em condição de igualdade para grupos discriminados e marginalizados, inclusive nas etapas iniciais do processo, quando todas as opções ainda estão abertas.
As organizações recordam que, em 2019, o Brasil aderiu voluntariamente, enquanto não-membro, à recomendação do conselho da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) sobre Governo Aberto e, com isso, comprometeu-se a implantar e efetivar uma cultura de governança na qual a participação social é basilar.
No plano nacional, o amicus curiae recupera o texto da Constituição Federal, que já estabelecia o princípio participativo em seu artigo 1º, e foi alterado em 2020 para incluir, no artigo 193, a determinação de que o Estado assegure a participação da sociedade nos processos de formulação, monitoramento, controle e avaliação das políticas públicas.
No eixo sobre transparência, o documento apresentado pelas entidades recorda que tanto a Lei de Acesso à Informação, quanto os padrões internacionais de transparência – como aqueles estabelecidos pela Organização dos Estados Americanos – determinam que o sigilo deve ser sempre a exceção, sobretudo nos casos relacionados à violação de direitos fundamentais.
Por fim, as organizações afirmam que a decisão de rever o PNDH sem qualquer transparência e participação social faz parte de um movimento maior de redução dos espaços de atuação da sociedade civil, em um verdadeiro retrocesso em matéria de direitos humanos – o que é vedado pela Constituição Federal.
Ficha técnica
- Ação: ADPF-795
- Instância: STF (Supremo Tribunal Federal)
- Status: Aguardando julgamento e decisão sobre admissão como amicus curiae.