Está em pauta no STF (Supremo Tribunal Federal) uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), a de número 347, que pode significar um ponto de inflexão nos debates sobre o encarceramento no Brasil. 

A ação foi proposta em 2015 pelo Psol (Partido Socialismo e Liberdade) inspirada em um precedente de 1997 da Corte Constitucional da Colômbia e pede o reconhecimento do “estado de coisas inconstitucional” do sistema prisional, além de medidas para interromper a violação generalizada de direitos humanos nos presídios e proteger a dignidade, a vida e a saúde das pessoas encarceradas.

De acordo com a decisão da Corte Constitucional da Colômbia, esse tipo de declaração cabe em contextos excepcionais em que há violações graves aos direitos humanos e, ao mesmo tempo, bloqueios institucionais que impedem ou limitam a ação dos demais Poderes. 

Os pedidos cautelares formulados pelos peticionários foram julgados em setembro de 2015 e acolhidos parcialmente pela Corte. O acórdão deste julgamento reconheceu a existência do “estado de coisas inconstitucional” e determinou, entre outras coisas, a implementação das audiências de custódia em até 24 horas após a prisão e o descontingenciamento dos recursos do Funpen (Fundo Penitenciário Nacional) .

Em seu pedido de ingresso no caso como amicus curiae, apresentado em 2017, a Conectas elencou diversos exemplos de como os direitos fundamentais mais básicos são violados no cárcere. De acordo com a entidade, a superlotação é generalizada, a tortura é frequente, as condições são insalubres, não há acesso à água ou à alimentação adequada, não há cuidados de saúde, oferta educacional ou laboral, tampouco assistência jurídica. 

A entidade também reforçou o argumento dos peticionários ao demonstrar a inação dos outros Poderes da República diante da crise permanente no sistema prisional 

Sobre o Legislativo, a Conectas recordou que a atuação do Congresso sempre foi marcada pelo debate de projetos populistas e punitivistas, que contrariam a normativa internacional e agravam a superlotação. A respeito do Judiciário, a entidade foi contundente em sua crítica à atuação de juízes que não observam as regras mais elementares do Código Penal e fecham os olhos para os problemas estruturais do sistema prisional e das políticas de encarceramento em massa.

Por fim, a Conectas elencou os problemas da gestão do Funpen pelo Executivo, que desviou mais de 30% dos recursos que deveriam ser usados na melhoria do sistema para atividades alheias ao seu propósito – como é o caso da segurança pública.

Em 2020, já no contexto da pandemia de Covid-19, o STF foi provocado a se manifestar sobre pelo menos outros dois pedidos cautelares incidentais que demandavam, entre outras coisas, medidas de desencarceramento focadas nos grupos de risco e ações para conter a disseminação do vírus nas prisões. Ambos foram negados. 

O caso entrou na pauta de julgamento do plenário virtual em 28 de maio de 2021 e, em sua sustentação oral, o coordenador da área de Litígio da Conectas, o advogado Gabriel Sampaio, destacou que as situações descritas em 2015 foram agravadas desde então, especialmente no que se refere às pessoas negras. 

Ele ressaltou que a sobrerepresentação dessa população no sistema  prisional, que já era de inaceitáveis 61%, subiu para 67%, evidenciando o inequívoco uso da legislação penal como instrumento de contenção, repressão e extermínio dos corpos negros.

Sampaio também chamou atenção para o desmonte do sistema nacional e dos mecanismos estaduais de prevenção e combate à tortura, o que implica em descumprimento, pelo Brasil, de compromissos e normas internacionais. Ele reforçou outro aspecto fundamental da ADPF-347, que é a centralidade das audiências de custódia para a denúncia de casos de tortura e maus-tratos e para a contenção das políticas de encarceramento.

Finalmente, o advogado afirmou que é responsabilidade do STF romper com os bloqueios institucionais que permitem a manutenção do “estado de coisas institucional” e que isso pode ser feito a partir da elaboração de um plano nacional sob a responsabilidade do DMF-CNJ (Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Prisional do Conselho Nacional de Justiça) e da utilização de instrumentos como o numerus clausus, que foi aplicado com sucesso no sistema socioeducativo e que condiciona a entrada de mais pessoas no sistema à disponibilidade de vagas.

Assista ao primeiro painel do seminário “A inconstitucionalidade das prisões no Brasil”, que discutiu a importância e os impactos da ADPF-347: 


Ficha técnica

  • Ação: ADPF-347
  • Instância: Supremo Tribunal Federal
  • Status: Julgamento suspenso por pedido de vista 
  • Tramitação:
    • 26/5/15: Petição inicial
    • 9/9/15: Decisão liminar
    • 29/11/17: Pedido de ingresso como amicus curiae
    • 17/3/20: Pedido de liminar feito pelo IDDD é encaminhado ao pleno pelo ministro marco Aurélio
    • 18/3/20: Pedido liminar feito pelo IDDD é indeferido pelo pleno (relator e Gilmar são vencidos e prevalece voto de Alexandre de Moraes)
    • 28/3/20: Requerimento de Medida Cautelar Incidental
    • 28/5/21: Início do julgamento no plenário virtual 
    • 28/5/21: Depois do voto de Marco Aurélio, pela parcial procedência dos pedidos iniciais, Luís Roberto Barroso pediu vista