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Notícia
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09/12/2025

“Metade da população brasileira está sob vigilância”

Evento com Relatora da ONU expõe expansão descontrolada do reconhecimento facial e seus impactos

Pablo Nunes em evento com Relatora da ONU Pablo Nunes em evento com Relatora da ONU


No Brasil, onde tecnologias de vigilância se multiplicam sem transparência e regulamentação, especialistas e ativistas reuniram-se nesta quarta-feira (3/12), em São Paulo, no evento Reconhecimento Facial e Impacto nos Territórios. O encontro integrou a agenda de Gina Romero, Relatora Especial da ONU para o direito à liberdade de reunião pacífica e associação, em visita oficial ao país.

Romero alertou para um “contexto de retrocesso democrático”, no qual tecnologias de vigilância têm sido usadas para monitorar opositores políticos, reprimir protestos e perseguir a sociedade civil.  A relatora destacou que grupos vulnerabilizados como negros, pobres, indígenas e pessoas migrantes são os mais afetados e chamou atenção para um aspecto que observou em São Paulo: a proliferação de totens e pontos de vigilância espalhados pela cidade, coletando informações sem transparência.

A relatora também avaliou que o ambiente de vigilância crescente produz efeitos sobre a garantia de direitos e o acesso a serviços públicos, inclusive de saúde. Para ela, a expansão acelerada da vigilância ocorre sem respostas mínimas sobre o uso e o futuro desses dados. “Que informações estão coletando? Para que vão usar?”, questionou. Ela apontou ainda que o medo da população sobre segurança pública tem sido usado como estratégia para legitimar a venda dessas tecnologias.

O pesquisador Pablo Nunes (CESeC) reforçou a dimensão desse cenário. Metade da população brasileira está sob vigilância. Ele apresentou dados do Panóptico, monitor de novas tecnologias de segurança pública criado pela sociedade civil, dado o vácuo da transparência de dados oficiais: 485 projetos no país utilizam técnicas de reconhecimento facial, alcançando potencialmente 87.152.540 pessoas vigiadas.

Nunes chamou atenção para distorções nos investimentos. Cidades que não têm taxas de criminalidade importantes, muitas há cinco anos sem registrar crimes violentos, recebem tecnologias caras de reconhecimento facial sem ter, por exemplo, um hospital de referência.

Da Argentina, Tomás Griffa (CELS) relatou a experiência de litígio em Buenos Aires, onde a implementação do reconhecimento facial descumpriu requisitos legais básicos. Segundo ele, há múltiplos níveis de deficiência no sistema: entre eles, restrições legítimas à privacidade das pessoas e a seus direitos constitucionais, o que gera detenções arbitrárias.

A disputa judicial no país vizinho ecoa a batalha travada no Brasil, onde organizações da sociedade civil enfrentam violações semelhantes.

Essa conexão ficou evidente na fala de Raquel da Cruz Lima (ARTIGO 19), que apresentou a Ação Civil Pública contra o Metrô de São Paulo. O processo busca impedir que os 4 milhões de passageiros diários tenham seus rostos coletados e monitorados sem informação adequada, situação que repete, em outro contexto, os mesmos padrões de abuso observados na Argentina. As duas experiências mostram que a ausência de salvaguardas legais abre espaço para violações, vigilância política e riscos de detenções errôneas.

Diretamente da Amazônia paraense, Dandara Rudsan (foclimax) descreveu como o reconhecimento facial aprofunda a política do medo em comunidades tradicionais, inviabilizando o exercício do direito de reunião. “Nós nos desmobilizamos ou temos dificuldade de protestar”.

O evento foi organizado por ARTIGO 19 Brasil e América do Sul, Conectas Direitos Humanos e pelo Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de SP.

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