O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, transferir para a Justiça Federal a investigação das graves violações de direitos humanos cometidas entre 2013 e 2014 no Complexo Prisional de Pedrinhas, em São Luís (MA). A medida, conhecida como deslocamento de competência, foi solicitada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) após provocação da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, da Justiça Global e da Conectas Direitos Humanos, peticionárias das medidas provisórias do caso na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O caso é um dos mais emblemáticos da crise estrutural do sistema prisional brasileiro. Entre janeiro de 2013 e o início de 2014, 63 pessoas foram mortas dentro do complexo, o que levou à intervenção da Força Nacional e à concessão de medidas provisórias pela Corte Interamericana, diante da incapacidade do Estado brasileiro de garantir a vida e a integridade das pessoas privadas de liberdade.
Segundo a PGR, as instâncias estaduais foram ineficazes na apuração das violações, o que justificou o pedido de federalização — previsto no artigo 109, §5º, da Constituição Federal, que permite a atuação da União em casos de graves violações de direitos humanos e risco de descumprimento das obrigações internacionais do Brasil.
Durante o julgamento do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) nº 31/MA, o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, destacou o caráter estrutural das violações e a necessidade de resposta institucional. Para ele, é preciso que o país “dê uma resposta efetiva e pronta, apurando corretamente, no tempo devido, esses crimes que ainda nos envergonham como nação”.
A decisão representa um avanço na busca por justiça e responsabilização em casos de violência estatal. Desde que o instrumento do IDC foi criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004 (Reforma do Judiciário), apenas um outro caso havia sido federalizado — o assassinato do defensor de direitos humanos Manoel Bezerra de Mattos, em 2010, também com participação da Justiça Global como amicus curiae.
Para Monique Cruz, coordenadora da Justiça Global, a decisão reforça a necessidade de enfrentar a impunidade que marca o sistema prisional brasileiro. “A desvalorização da vida segue como tônica principal do sistema penitenciário no Maranhão e no país. Casos de tortura, maus-tratos e mortes decorrentes das condições desumanas continuam sem a devida investigação. A federalização é um passo importante e precisa reverberar em uma atuação mais enfática do Estado”, afirma.
No último dia 21 de outubro, a Corte Interamericana de Direitos Humanos realizou audiência fechada em Brasília sobre o caso. As organizações peticionárias apresentaram informações atualizadas sobre as condições em Pedrinhas e os persistentes desafios para garantir a integridade das pessoas presas.
A decisão do STJ reforça os compromissos internacionais do Brasil em garantir o direito à verdade, à justiça e à reparação para as vítimas de violações no sistema prisional e abre caminho para uma investigação independente e efetiva sobre os crimes cometidos no Maranhão.