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Mais de 38 organizações da sociedade civil manifestaram profunda preocupação com a decisão do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, de avocar para si a competência de decidir sobre uma autuação da empresa JBS Aves por uso de trabalho em condições análogas à escravidão.
A medida, divulgada em 18 de setembro, suspende temporariamente a inclusão da empresa na Lista Suja — cadastro de empregadores flagrados explorando trabalho escravo contemporâneo.
As entidades classificaram a decisão como um “uso político, tendencioso e inédito de um dispositivo legal ultrapassado contra uma ferramenta moderna e elogiada internacionalmente”, e alertaram para o risco de enfraquecimento do sistema de fiscalização. A intervenção ocorre após a JBS Aves ter esgotado as duas instâncias administrativas de defesa, o que, segundo as organizações, torna a iniciativa ministerial “surpreendente” e “diametralmente oposta” ao compromisso público do governo com a transparência e o combate ao trabalho escravo.
Em agosto, em reunião com o Relator Especial das Nações Unidas sobre Formas Contemporâneas de Escravidão, Tomoya Obokata, o próprio Ministério do Trabalho havia apresentado a Lista Suja como uma referência internacional de transparência. Agora, as organizações afirmam que a decisão abre precedente para interferência política justamente em um mecanismo que o governo federal se comprometeu a fortalecer.
O próprio Ministério do Trabalho e Emprego atualizou nesta segunda-feira (6) a “Lista Suja” de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão, incluindo 159 nomes — 101 pessoas físicas e 58 jurídicas. Entre 2020 e 2025, 1.530 trabalhadores foram resgatados, com maior número de casos em Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Bahia, e atividades como pecuária, serviços domésticos, café e construção civil.
Criada em 2003, a Lista Suja é reconhecida pela ONU e pela OIT como uma boa prática no combate à escravidão contemporânea, ao promover transparência e responsabilizar economicamente empresas envolvidas em violações. Por sua efetividade, tem sido alvo frequente de ataques políticos e judiciais.
O caso da JBS Aves envolve dez trabalhadores submetidos a jornadas de até 16 horas diárias e servidão por dívida em uma unidade no Rio Grande do Sul. Desde 1995, mais de 65 mil pessoas foram resgatadas do trabalho escravo no Brasil em diferentes setores produtivos, conforme definição do artigo 149 do Código Penal, que abrange trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes e jornada exaustiva.
As entidades pedem que o governo reafirme seu compromisso com a independência da fiscalização e evite retrocessos. “É essencial manter a Lista Suja de forma independente e eficaz, como instrumento fundamental de transparência e de defesa da dignidade humana”, afirmam. Elas também expressam solidariedade aos auditores fiscais do trabalho e aos trabalhadores brasileiros.
A carta é assinada por Aliança pelos Direitos Humanos em Cadeias Produtivas, Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais (ADERE/MG), Associação Alternativa Terrazul, Associação Ambiental Sapuca ECO, Associação Comunitária Operária Floresta Esperança (ACOFE), Brigada de Alter, Centro de Direitos Humanos e Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV CeDHE), Centro de Informações sobre Empresas e Direitos Humanos (BHRRC), Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Clima de Política, Comissão Pastoral da Terra, Conectas Direitos Humanos, Conexão Migrante, Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (CONTAR), Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas de Pernambuco, Força Ação e Defesa Ambiental (FADA), Geledés – Instituto da Mulher Negra, Greenpeace Brasil, Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo da UFRJ, Imaflora, Instituto Ação Sistêmica da Amazônia, Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Instituto Linhas Divinas, Instituto Internacional Arayara, Instituto 5 Elementos – Educação para a Sustentabilidade, Kurytiba Metrópole (KM), Litigância Climática e por Direitos (LITIGA), Missão Paz, Movimento Xingu Vivo para Sempre (XV), Núcleo de Estudos, Trabalho, Agroecologia e Soberania Alimentar (NETASA-UNIFAL-MG), Proteção Animal Mundial, Rede Fé Paz e Clima, Rede Vozes Negras pelo Clima, SER., Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicação do Estado de Minas Gerais (Sinttel MG) e União de Entidades Ambientalistas do Paraná (UNEAP).