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20/01/2020

Qual é o papel do juiz das garantias em discussão no STF

Alvo de críticas do ministro da Justiça Sérgio Moro, medida prevê divisão de tarefas entre dois magistrados e é defendida como um mecanismo para evitar decisões parciais

Estátua da Justiça. Foto: Gil Ferreira/SCO/STF Estátua da Justiça. Foto: Gil Ferreira/SCO/STF

Aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 24 de dezembro de 2019, o “Pacote Anticrime” de autoria de Sérgio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública, teve cortes e acréscimos em sua versão original. Um dos pontos anexados ao texto durante sua tramitação no Congresso Nacional e mantido pelo presidente foi a figura do juiz das garantias. 

A emenda, proposta pela deputada Margarete Coelho (PP) e pelo deputado Paulo Teixeira (PT), determina que haja uma divisão de tarefas entre dois juízes no mesmo processo. Um ficará responsável pelas decisões na fase de investigação (o das garantias) e outro pelo julgamento e sentença em primeira instância. 

Sérgio Moro, que tem se posicionado contra a criação desse cargo mesmo após a sanção do presidente, afirmou em sua conta do Twitter que “não tem como afastar do julgamento o juiz que fez toda a instrução, que conhece o caso, só porque teve contato com alguma prova ilícita e que excluiu do feito.”

A medida é defendida como um mecanismo para evitar decisões parciais. O próprio Moro, ex-juiz da Operação Lava Jato, foi acusado de não ter mantido a imparcialidade após o portal The Intercept Brasil ter vazado mensagens trocadas via Telegram entre ele e membros do Ministério Público.  

Os diálogos revelaram um possível alinhamento entre o ex-juiz e procuradores na investigação e condenação de determinados réus.  Sem a presença de um juiz das garantias, Moro era responsável por investigar e sentenciar casos da operação. 

 

De acordo com Gabriel Sampaio, coordenador do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas, a presença de um juiz das garantias fortalece o processo democrático e evita que o sistema penal seja instrumento de opressão contra os mais vulneráveis. 

Segundo ele, o Estado brasileiro tende a condenar a partir de um recorte de classe e de raça e, por isso, precisa ser fiscalizado. “O preto e pobre da periferia já entra etiquetado como condenado em uma investigação criminal, portanto assegurar seus direitos se torna mais difícil. Por isso, mecanismos que garantam mais controle da atividade judicial são fundamentais e evitam que o sistema penal seja instrumento de opressão contra essa população”, argumenta. 

Implementação

Após a aprovação da medida, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) criou um grupo de trabalho para estudar sua implementação . O Comitê deveria apresentar uma proposta até o dia 15 de janeiro e a Lei, em tese, deveria entrar em vigor integralmente a partir do dia 23 do mesmo mês. 

Em portaria, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, estendeu o prazo de deliberação do grupo de trabalho e suspendeu a implementação do juiz das garantias por 180 dias através de uma decisão liminar provisória em ações que questionam a medida.

Para os críticos, uma dos problemas de implementação do novo cargo é o fato de, segundo dados do CNJ, 20% das comarcas brasileiras possuírem apenas um juiz. Circunstância que na prática poderia acarretar em mais gastos à Justiça.

Gabriel aponta que a questão está mais relacionada à gestão do que ao orçamento. “Não será preciso, necessariamente, contratar mais juízes. Uma solução administrativa possível é o rodízio de magistrados, sem que isso acarrete em aumento no volume de trabalho. A partir de agora, um juiz poderá cuidar de mais processos, mas ficará responsável por apenas uma fase deles e não o todo”, explica.

Histórico

Antes da figura do juiz de garantias ser incluído no Pacote Anticrime, a criação do cargo já estava em discussão no novo CPP (Código de Processo Penal), proposto pelo Senado em 2009. Atualmente, o projeto está em tramitação na Câmara dos Deputados e tem como objetivo atualizar o CPP vigente no país, que é de 1941.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, órgão semelhante à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), também já adota e recomenda essa divisão. 

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