No papel, as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), criadas em 2008, no Rio de Janeiro, representam um novo modelo de política pública na área de segurança. Seu objetivo declarado é o de “retomar territórios antes dominados por grupos criminosos e estabelecer o Estado Democrático de Direito”. Mas qual a realidade das comunidades onde estão estas UPPs? Esse modelo pode ser considerado exitoso? E pode ser exportado para outras capitais, como São Paulo?
Em busca desta e outras respostas, a edição 16 da Revista SUR, da Conectas, apresenta uma entrevista dupla com os pesquisadores Rafael Dias, da ONG Justiça Global, e José Marcelo Zacchi, fundador e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, além de ex-diretor do Instituto Pereira Passos, na Prefeitura do Rio de Janeiro, onde foi responsável pelo desenvolvimento e implantação do programa UPP Social, voltado à expansão de serviços sociais e urbanos nas áreas beneficiadas pelas UPPs.
Ambos apresentam diferentes pontos de vista para cinco perguntas-chave sobre a experiência fluminense.
“O modo como as UPPs são executadas e sua intervenção no território parecem dizer que a favela é em si um lugar de criminalidade, mas sabemos que a criminalidade violenta apresenta uma dinâmica muito mais complexa que não pode ser associada diretamente ao espaço da favela. Por isso, essa ação governamental reforça essa concepção ao invés de promover a segurança social dos moradores e ao vigiar e controlar os moradores que são vistos como potencialmente perigosos”, diz Dias, que possui graduação em Psicologia na Universidade Federal da Bahia e mestrado em Psicologia Social pela Universidade Federal Fluminense.
Para Zacchi, que é pesquisador-associado do IETS (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade) “as UPPs não são a solução para todos os problemas dos territórios em que estão presentes, nem da segurança pública no Rio de Janeiro. Tampouco é o caso de negligenciar os desafios ainda por ser enfrentados. Mas não há como deixar de saudar a novidade representada por elas na experiência da cidade e os resultados expressivos já alcançados até aqui”.
A publicação da Conectas é produzida em inglês, espanhol e português, e distribuída para mais de cem países.
Neste número, a SUR publica um total de 9 artigos de 6 países, sendo 4 sobre “segurança cidadã” além da dupla entrevista sobre o tema.
“Segurança e direitos humanos possuem uma intrínseca – e problemática – relação, sobretudo em regiões com altos índices de violência e criminalidade. Nestes contextos, a insegurança pode ser tanto uma consequência quanto um pretexto para violações de direitos humanos, já que os direitos humanos podem ser apresentados como impedimentos a políticas eficazes de combate ao crime. Foi precisamente no intuito de conciliar as agendas de segurança e direitos humanos que, especialmente na América Latina, surgiu o conceito de segurança cidadã”, diz o texto de apresentação da nova edição da Revista SUR.
No mesmo texto introdutório, a SUR lembra que “comunidades pobres são privadas de seu direito de participar das decisões que afetam sua segurança; cidadãos estão expostos à violência tanto por parte de criminosos quanto de forças policiais teoricamente responsáveis pelo combate ao crime; desenvolvimentos em termos de segurança, tanto no âmbito regional e internacional quanto em esferas locais e nacionais, têm sido díspares e insatisfatórios. Ao discutir estes e outros tópicos, os artigos contidos no dossiê Segurança Cidadã e Direitos Humanos exemplificam desafios e oportunidades neste campo”.
A revista conceitua “segurança cidadã” como políticas de segurança pública “centradas nos indivíduos, intersetoriais, abrangentes, específicas para cada contexto, orientadas à prevenção”.
Outros artigos
Em Segurança Pública e Crime Organizado Transnacional nas Américas: Desafios no Âmbito Interamericano, o ex-ministro do interior do Peru Gino Costa examina alguns dos principais desafios e avanços no uso do conceito de segurança cidadã no combate ao crime organizado na região. Já em A Agenda Atual de Segurança e Direitos Humanos na Argentina. Uma Análise do Centro de Estudos Legais y Sociais (CELS), pesquisadores do Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS), da Argentina, descrevem a agenda de segurança pública no país dentro do contexto regional, analisando o primeiro ano de operações do Ministério de Segurança e as tentativas feitas no sentido de implementar políticas que abarcassem o conceito de segurança cidadã. Este mesmo departamento é o assunto de outro artigo publicado neste dossiê. Em Participação Cidadã, Segurança Democrática e Conflito entre Culturas Políticas. Primeiras Observações sobre uma Experiência na Cidade Autônoma de Buenos Aires, Manuel Tufró examina o programa piloto recentemente implantado pelo ministério argentino com o intuito de ampliar a participação social no planejamento das políticas locais de segurança pública. No ensaio, Trufó analisa os conflitos que derivam desta tentativa de disseminação de uma prática alinhada com a agenda ministerial de promoção da “segurança democrática” em locais onde mecanismos participativos devem sua existência ao que o autor denomina uma “cultura política vicinal”.
Em A Política de Drogas e A Marcha da Insensatez, Pedro Abramovay usa a obra de Barbara Tuchman para examinar políticas de combate às drogas implementadas desde 1912, argumentando que são exemplos de políticas que não defendem os interesses das comunidades representadas pelos legisladores que as elaboraram.
A edição inclui ainda cinco artigos adicionais relacionados a questões importantes de direitos humanos como desaparecimento forçado, genocídio, autodeterminação, migrações e violência doméstica.
A Revista Sur é publicada em parceria com a Fundação Carlos Chagas (FCC).