A Lei de Acesso à Informação, em vigor há cinco anos, já fez história no Brasil. Revelou à sociedade que a revista vexatória, prática imposta às visitantes em presídios, é, além de humilhante, ineficaz. Trouxe à luz contratos da Sabesp que previam benefícios a grandes consumidores de água em meio à maior seca registrada no Estado de São Paulo. Expôs a lista de empresas e pessoas que submeteram trabalhadores a situação análoga à de escravo. Mostrou que uma em cada quatro pessoas assassinadas em 2015 na capital paulista foi morta pela polícia.
Para além dos exemplos positivos da aplicação da LAI, e mesmo a despeito deles, impressiona a rapidez da assimilação da lei em algumas instâncias, especialmente no Executivo federal. O sistema eletrônico de informação ao cidadão implementado pela CGU aplica-se a todos os órgãos do executivo federal, uniformizando o acesso ao cidadão e facilitando a gestão da informação.
Mas seu quinto aniversário, comemorado em 16 de maio, enseja uma reflexão crítica sobre suas fragilidades. A heterogeneidade de sua aplicação no país, por exemplo: desde que o projeto de lei começou a tramitar, entidades envolvidas com o assunto alertaram para a importância de um órgão nacional independente e especializado com poder para implementar e fiscalizar o cumprimento da Lei de Acesso em todas as esferas e níveis de poder. Sem essa autoridade, confirmou-se o pior: no nível estadual, há secretarias avessas à transparência (destaque para o Rio de Janeiro e para todas as secretarias relacionadas a segurança pública e administração penitenciária); no municipal, há lugares onde a LAI é ignorada. Sem mencionar a falta de transparência do Judiciário: o poder foi considerado o menos transparente em sucessivos levantamentos realizados pela organização Artigo 19.
A Comissão Mista de Reavaliação de Informações, instância máxima para recorrer diante de negativas de acesso do Executivo federal, não é realmente mista. As decisões são tomadas apenas por representantes de dez ministérios, entre os quais Defesa e Relações Exteriores. Além disso, de acordo com a Controladoria Geral da União, de 1546 recursos analisados pela CMRI (de 1693 recebidos), entre 2012 e 2017, somente 12 (0,78%) foram deferidos. Uma instância superior realmente mista seria capaz de fazer um contraponto razoável à cultura de opacidade governamental. Sem voz, à sociedade cabe torcer para que ministérios decidam em seu favor nos casos mais difíceis.
O uso indiscriminado das exceções previstas na Lei de Acesso para negar informações coloca em risco o próprio espírito da lei. Os órgãos de segurança pública e administração penitenciária não raro lançam mão do argumento de proteção à segurança da sociedade e do Estado para negar informações sobre uso de armas não-letais em repressão a manifestações, efetivos policiais à disposição da sociedade e estatísticas criminais.
O Ministério das Relações Exteriores tem se apoiado no sigilo de informações que impactam em negociações internacionais para limitar acesso a documentos referentes à política externa do Brasil. Essa realidade é agravada pelo dispositivo da lei que estabelece que o termo de classificação da informação terá o mesmo grau de sigilo do documento classificado.
Por fim, a Lei abre espaço para negativas de acesso por trabalho adicional de preparo dos dados, o que dá alto grau de discricionariedade aos servidores. Em outros casos descobre-se que alguns órgãos nem sequer produzem os dados, e por isso não podem fornecê-los. Os exemplos demonstram que é necessário investir em recursos humanos, financeiros e materiais para a gestão da informação, caso contrário, sempre será “trabalho adicional” produzir ou compilar dados.
A administração corretamente protege informações pessoais e não fornece dados que possam individualizar cidadãos. Mas a preocupação não se estende a quem fez os pedidos de acesso. Em muitos órgãos, o pedido de informações circula por diferentes setores com o nome do requerente. O que em princípio parece irrelevante, toma outra proporção quando se trata de jornalistas ou defensores de direitos humanos: por acompanharem sistematicamente determinados setores, repórteres e ativistas terminam conhecidos dos funcionários e são alvo de questionamentos. No caso de cidades menores, a identificação do requerente por órgãos públicos pode colocá-lo em risco, dada a intensidade de rivalidades políticas e a frequência de ameaças e assassinatos de jornalistas e defensores de direitos humanos nesses locais. A identificação do requerente também já proporcionou diferenciamento no atendimento das solicitações: pedidos semelhantes foram respondidos para alguns e negados para outros, ignorando o princípio de igualdade.
A Lei, no entanto, avançou rapidamente em alguns setores e garantiu, com décadas de atraso, o acesso a informações previsto na Constituição. Houve sensível aumento na preocupação dos órgãos públicos com a transparência, diante da possibilidade de serem cobrados por descumprirem a regra. O jornalismo profissional aprendeu a usá-la em seu favor, e tem contribuído para aproximar cidadãos da administração e para construir mecanismos de pressão. A academia, organizações da sociedade civil e movimentos sociais têm incorporado a LAI como ferramenta na garantia de direitos humanos, contribuindo para uma maior qualificação na participação e controle social. Agora é preciso trabalhar para avançar na solução das questões apontadas aqui e para que não tenhamos retrocessos no que já foi conquistado, fazendo assim a cultura de transparência se impor a todos os níveis e esferas de poder.
Artigo de Guilherme Alpendre, diretor-executivo da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Juana Kweitel, diretora-executiva da Conectas Direitos Humanos, Manoel Galdino, diretor-executivo da Transparência Brasil, Paula Martins, diretora-executiva da Artigo 19.