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Relatório mostra riscos de trabalho forçado nas cadeias de alimentos e bebidas

Grande parte do trabalho para colocar comida no prato da população é feita por migrantes, que geralmente são alvo de exploração de mão de obra

Foto: Renato Alves/MTE
Foto: Renato Alves/MTE

Uma análise das 60 maiores empresas do setor de alimentos e bebidas no mundo, feita pela Business and Human Rights Resource Center, em parceria com o KnowTheChain, aponta que nenhuma delas revelou ter compromisso com práticas de compra responsável em seus contratos com fornecedores. O público brasileiro pode agora acessar a tradução em português do documento, feita pela Conectas.

Na prática, isso se traduz em riscos de existir trabalho forçado em suas cadeias de suprimentos. A avaliação de empresas do mesmo setor, (benchmark, no termo em inglês) “Alimentos e Bebidas – Relatório de Resultados de Referência” analisa a cadeia desde a agricultura, passando pelo processamento de alimentos e bebidas, até a finalização em embalagens e a comercialização no varejo. O relatório destaca a crescente lacuna entre as margens de lucro do setor e as condições de trabalho daqueles que possibilitam esse lucro.

O setor de alimentos emprega cerca de dois terços dos trabalhadores do mundo. Rastrear a origem dos produtos é um desafio, mas isso não exime a responsabilidade das empresas de garantir que os trabalhadores da cadeia recebam um salário digno, sem atrasos, e sem o pagamento de taxas de recrutamento – cobradas em situações de escravidão por dívida e exploração de trabalho forçado, por exemplo.

Considerando que grande parte do trabalho para colocar comida no nosso prato é feita por migrantes, que geralmente são alvo de exploração de mão de obra precarizada, a necessidade de avaliar o setor torna-se ainda maior. Estima-se que 3,2 milhões de vítimas do trabalho forçado atuem na cadeia de alimentos e bebidas.

Análise de práticas responsáveis

A pesquisa buscou avaliar se as empresas implementaram políticas para lidar com os riscos de trabalho forçado em suas cadeias de fornecimento e se isso trouxe melhorias para os trabalhadores. Nesse sentido, somente metade das empresas teve pontuações acima de 10 – sendo que o máximo seria 100. Cinco empresas não forneceram nenhuma informação relevante. “As pontuações geralmente baixas do setor, combinadas com a falta de transparência de atores relevantes do mercado, deveriam ser motivo de alerta para as empresas e seus investidores”, afirma o relatório.

Dos sete temas avaliados, as empresas se saíram melhor em áreas como Compromisso e Governança, com 90% informando que têm um código de conduta de fornecedores que proíbe o trabalho forçado. A pontuação média é alarmante: apenas 16/100. As pontuações mais baixas estão ligadas a Recrutamento, Voz dos Trabalhadores e Reparações.

O relatório mostra que, embora a maioria das empresas demonstre compromisso com políticas contra o trabalho forçado nas cadeias de fornecimento, elas também tendem a ignorar as medidas preventivas. Isso, aliado à falta de evidências quanto aos desfechos nas ações reparatórias para os trabalhadores, indica que a mera existência de políticas internas não basta para evitar o trabalho forçado e melhorar, na prática, a vida dos trabalhadores.

Responsabilidades por violações

“O índice desponta como importante ferramenta para aquelas empresas que desejam melhorar suas práticas corporativas, e um importante instrumento para que a sociedade civil, governo – e porque não, investidores – direcionem suas ações para pressionar aqueles que continuam a ignorar as exigências dos novos tempos”, afirma Marina Novaes, do Business and Human Rights Resource Center, Julia Neiva e Fernanda Drummond, da Conectas, na apresentação que abre a publicação. “Afinal, defendemos e lutamos para exigir que as empresas assumam responsabilidade por violações que ocorrem na sua cadeia produtiva. E isso envolve ir além de medidas reparatórias ou voltadas apenas para seus fornecedores diretos. Envolve demandar e exigir que as empresas adotem um processo amplo e efetivo de devida diligência em direitos humanos, por toda a sua cadeia, que envolva ações preventivas em temas chaves, como transparência e diálogo sindical”, acrescentam. .

A metodologia utilizada no estudo segue os Princípios Orientadores da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre Empresas e Direitos Humanos, abrangendo compromissos políticos, diligências e reparações dos casos. A pesquisa foi feita até janeiro de 2023, e algumas empresas enviaram informações adicionais até abril de 2023.


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