O deslocamento forçado devido às mudanças climáticas tem se tornado uma realidade na vida de muitas pessoas em diferentes partes do mundo. As pessoas obrigadas a abandonar suas casas devido aos efeitos das fortes chuvas no Rio Grande do Sul são um exemplo de como esse fenômeno impacta a vida da sociedade.
Menos impactada pelos problemas das cheias, Caxias do Sul (RS), por exemplo, deve receber nos próximos quatro anos até 25 mil famílias migrantes de áreas gaúchas afetadas pelas chuvas, como mostra reportagem do Jornal Nacional. Esse deslocamento gera preocupação nas áreas de emprego e renda, habitação, saúde e educação.
Em entrevista à Conectas, Patricia Grazziotin Noschang, professora na Universidade de Passo Fundo (RS) e especialista na área de Direito Internacional, explica como as mudanças climáticas estão afetando o deslocamento humano, as implicações jurídicas e sociais deste fenômeno, e as possíveis soluções para proteger os direitos daqueles que são forçados a migrar em busca de segurança e dignidade.
Noschang também coordena o Projeto de Extensão “Balcão do Migrante e Refugiado”, do grupo de pesquisa “A Efetividade dos Direitos Humanos no Plano Internacional”, e da Cátedra Sérgio Vieira de Mello da UPF/RS. Confira:
Patricia Noschang – Os deslocamentos causados por mudanças climáticas ocorrem devido a alterações significativas no meio ambiente, como secas prolongadas, inundações, ventos fortes e ondas de calor, ou em consequência de desastres ambientais. Diferentemente de outros tipos de deslocamento, como os motivados por conflitos ou perseguições, os deslocamentos climáticos estão diretamente relacionados a eventos climáticos extremos ou processos de degradação ambiental gradual, resultantes das ações antrópicas.
As pessoas que se deslocam por motivos ambientais ou climáticos são pessoas que migram de forma forçada, seja dentro de seu próprio país (deslocamento interno) ou para outros países (deslocamento internacional). Essa migração pode ser temporária ou permanente, dependendo da natureza e da gravidade dos eventos climáticos enfrentados. Por exemplo, um deslocamento pode ocorrer devido a um evento climático extremo, como uma inundação ou vendaval, ou devido a processos mais lentos, como a desertificação.
Certamente, existem grupos sociais mais vulneráveis a esses fenômenos. Entre os mais afetados estão as populações indígenas e quilombolas, e as pessoas que moram em locais comumente afetados e sem infraestrutura, além da população ribeirinha. Esses grupos frequentemente possuem menos recursos e menos acesso a meios de adaptação e proteção contra os impactos das mudanças climáticas, o que os torna particularmente suscetíveis ao deslocamento forçado.
Patricia Noschang – As enchentes no Rio Grande do Sul já estão causando deslocamentos forçados de pessoas que não têm mais para onde retornar devido à destruição de cidades e bairros. A falta de infraestrutura mínima para sobrevivência, como redes elétricas, de água e saneamento, escolas, hospitais e moradias, é um fator determinante para a impossibilidade de retorno às regiões mais afetadas. A insegurança alimentar e a interrupção das rodovias e estradas de acesso também são aspectos críticos para a sobrevivência nesses locais.
Além disso, as pessoas enfrentam a difícil decisão de deixar seu território, o que envolve abandonar memórias, raízes, vínculos familiares e de vizinhança, resultando em uma profunda tristeza e sensação de perda. Esses deslocamentos forçados geram traumas psicológicos significativos, sendo um dos impactos sociais mais graves.
Os impactos econômicos serão sentidos em todo o estado por um longo tempo. Muitas pessoas perderam tudo, desde moradia aos meios de subsistência (comércio; serviços; pequeno produtor de alimentos, como hortaliças e frutas). Com a perda do “poder de compra”, o dinheiro disponível será destinado a necessidades básicas, como migrar e reconstruir a vida, seja no mesmo local ou em outro lugar. Isso resultará em uma economia fragilizada, com menos recursos circulando e uma necessidade maior de apoio para a recuperação.
Patricia Noschang – A seca já é há muito tempo um motivo de migração no Brasil, com várias áreas do país transformando-se em desertos. O esgotamento dos recursos hídricos também é um fator crucial para a migração, assim como terremotos e a elevação do nível do mar.
Alguns exemplos concretos incluem:
Esses casos ilustram como as mudanças climáticas estão diretamente forçando comunidades a deixar suas terras, alterando suas vidas de forma dramática e colocando em evidência a urgência de medidas globais de mitigação e adaptação.
Patricia Noschang – A resposta do Estado deve ser estruturada por meio de políticas públicas implementadas por lei, garantindo que se tornem políticas de Estado, e não apenas de governo. É fundamental adotar medidas para reduzir as emissões de carbono, visando alcançar as metas do Acordo de Paris e outros compromissos internacionais.
É necessário e urgente manter uma legislação robusta que preserve e proteja o meio ambiente, respeitando o princípio do não retrocesso e evitando flexibilizações. Além disso, é essencial desenvolver planos de ação e adaptação climática.
Isso inclui a prevenção de desastres, com um plano de alerta eficaz para comunicar as populações que possam ser afetadas, garantindo sua proteção e segurança. Também é crucial pensar no período pós-desastre, oferecendo acolhimento adequado e direcionado, levando em conta as diversas formas de vulnerabilidade das pessoas atingidas.
Por fim, é imperativo implementar planos de reestruturação econômica e social para os municípios afetados, assegurando uma recuperação sustentável e resiliente […] O Estado precisa avançar na elaboração de legislações e planos de adaptação que abranjam tanto a prevenção quanto às ações pós-desastre. Os eventos climáticos extremos estão se tornando cada vez mais frequentes, e é imperativo que estejamos preparados para responder a essas situações de maneira eficaz e eficiente.