Voltar
-
20/02/2017

Longe da meta

Importante instrumento de redução do encarceramento, audiências de custódia falham em prevenir a tortura



No próximo dia 24/2, o projeto-piloto de implantação das chamadas audiências de custódia, liderado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), completa exatamente dois anos em São Paulo, a primeira capital do país a adotá-lo.

Desde então, muito se fala sobre a importância desse instrumento para a redução do número de prisões ilegais e, consequentemente, para a redução no número de pessoas que entram, todos os dias, no sistema prisional. Mas o que são, de fato, as audiências de custódia e por que elas são tão importantes para o combate à tortura e maus-tratos no Brasil?

A audiência de custódia consiste na apresentação de uma pessoa presa em flagrante em até 24 horas a um juiz. Nesta sessão, além do magistrado e do acusado, também participam um representante do Ministério Público e da defesa, que pode ser advogado particular ou defensor público.

Nessa audiência não há julgamento sobre inocência ou culpa do réu. Depois de ouvir os argumentos da acusação e da defesa, além do próprio custodiado, o juiz decide se a pessoa será presa preventivamente, se aguardará o julgamento em liberdade (com ou sem medidas alternativas à prisão, como tornozeleiras eletrônicas) ou se a prisão será relaxada – o  que acontece quando o flagrante é ilegal.

Tendo em conta que os presos provisórios (ou seja, sem condenação) representam 41% de toda a população carcerária, segundo dados de dezembro de 2014 do Ministério da Justiça, as audiências de custódia têm o importante papel de reduzir a porta de entrada no sistema.

“A iniciativa do CNJ é essencial para a redução do encarceramento e da superlotação no Brasil. Mas elas foram pensadas e normatizadas por tratados internacionais assinados pelo país por também serem importantes no combate e prevenção à tortura”, explica Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da Conectas.


Veja a evolução do conceito de tortura na normativa nacional e internacional:


Segundo o estudo “Tortura Blindada”, no entanto, essa oportunidade está sendo em grande medida desperdiçada (clique aqui para ver como os órgãos do sistema de Justiça se comportam diante de relatos de violência).

Diante de indícios de agressão, o juiz pode, por exemplo, determinar a realização de perícia e exame de corpo de delito, além de instaurar investigação criminal ou administrativa contra o agente acusado. O estudo verificou que, entre todos os 393 casos analisados, apenas um resultou em abertura de inquérito policial para apuração da conduta dos agentes.

“Sabemos que um dos maiores desafios para a persecução penal do crime de tortura é a dificuldade de produzir prova, já que frequentemente, quando a situação chega ao conhecimento das autoridades já transcorreram meses do ocorrido – o que dificulta a materialização do crime e sua apuração”, explica a advogada Sylvia Dias, delegada da Associação para a Prevenção da Tortura no Brasil e revisora de “Tortura Blindada”.

“Também sabemos que as primeiras horas após a após a abordagem policial são reconhecidamente o momento onde há maior risco de que as pessoas sofram abusos físicos e psicológicos. Desta forma, é fundamental que haja a oportunidade imediata de supervisão e controle por parte do poder judiciário das circunstâncias da prisão em flagrante”, completa.

Segundo a advogada, socióloga e pesquisadora da área de Justiça Criminal Fernanda Emy Matsuda, que também revisou o estudo da Conectas, “embora o país tenha assumido um forte compromisso perante a comunidade internacional, há uma enorme relutância em adequar as práticas de seus agentes aos termos desse compromisso”. “No que diz respeito a crimes de tortura e maus-tratos contra pessoas custodiadas pelo Estado, prevalece a impunidade. As audiências de custódia têm correspondido, na prática, a uma extensão dessa lógica de não responsabilização.”


Informe-se

Receba por e-mail as atualizações da Conectas