A ocultação de violações de direitos humanos nas cadeias produtivas é uma prática adotada por grandes empresas no Brasil. A segunda parte do relatório ‘Trabalho escravo no café: das fazendas às multinacionais’, publicado pela Conectas, revela essas estratégias utilizadas por corporações para driblar a responsabilização por abusos. Clique aqui para acessar a publicação.
O texto, parte do projeto global Mind the Gap, liderado pela organização holandesa SOMO, mapeia como as empresas driblam suas responsabilidades quanto a violações de direitos humanos e danos ambientais. A primeira parte mostra como lacunas na legislação e governança brasileiras dificultam a responsabilização de empresas com cadeias produtivas complexas, prejudicando o acesso à justiça e a reparação para as vítimas.
A segunda parte investiga as táticas corporativas para explorar essas brechas e evitar serem responsabilizadas. A análise não se limita ao setor cafeeiro, mas abrange setores vulneráveis à ocorrência de trabalho escravo e outras violações de direitos humanos
Nos últimos anos, países europeus avançaram em legislações que obrigam empresas a respeitarem direitos humanos e ambientais. No Brasil, o PL 572/2022 propõe diretrizes mais avançadas, mas enfrenta resistência no Congresso, dominado pela bancada ruralista.
Enquanto isso, predominam práticas voluntárias de governança ESG (ambiental, social e corporativa), que se mostram insuficientes para prevenir e corrigir violações. Sob o discurso ESG, empresas muitas vezes dificultam denúncias e transferem responsabilidades para os elos mais vulneráveis da cadeia produtiva.
O relatório traz diversas estratégias empresariais de ocultação, dentre elas a rápida aprovação de leis que flexibilizam o licenciamento ambiental, beneficiando grandes corporações em detrimento dos direitos de grupos vulnerabilizados e ataque aos biomas do país.
Outra tática frequente é o uso indevido de legislações para dificultar o acesso a informações cruciais. Um caso emblemático é o uso da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para restringir o acesso a relatórios de fiscalização trabalhista, dificultando pesquisas e o combate ao trabalho escravo.
Empresas também se aproveitam de brechas jurídicas, como a tese do “forum non conveniens”, que argumenta que apenas o país onde ocorreu a violação tem jurisdição para julgar o caso. Isso complica ações de reparação, como nos desastres ambientais em Minas Gerais.
Outro ponto abordado é a fragmentação das cadeias produtivas, que permite às empresas alegarem dificuldade de monitoramento e exclusão de fornecedores ou prestadores de serviço de menor porte, sem ajustar suas operações para evitar futuras violações.
O relatório também destaca a influência corporativa sobre o Judiciário: entre 2017 e 2022, 40 empregadores foram removidos da “Lista Suja” do trabalho escravo por decisões judiciais, enfraquecendo um importante instrumento de combate a essa prática.
Os mecanismos de avaliação de risco nas cadeias produtivas brasileiras têm se mostrado insuficientes para prevenir violações. A complexidade dessas cadeias, somada à ausência de parâmetros obrigatórios, dificulta o monitoramento eficaz. O relatório enfatiza a necessidade de leis que imponham a devida diligência em direitos humanos, com padrões internacionais claros e rígidos de responsabilização e transparência.
Para superar as estratégias de ocultação, é preciso envolver os principais atores das cadeias produtivas e promover mudanças estruturais, incluindo a erradicação de práticas predatórias. O estudo conclui destacando o papel vital da sociedade civil e a importância de alianças internacionais no enfrentamento dessas violações.