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12/05/2021

Crimes de Maio: impunidade marca os 15 anos de um dos maiores massacres de São Paulo

Em meio a centenas de execuções arbitrárias e quatro desaparecimentos forçados, nova denúncia da Conectas busca respostas não dadas para o morticínio

In 2016, Mothers unveil memorial to honour the Crimes of May deaths. Photo Rovena Rosa/Agência Brasil
In 2016, Mothers unveil memorial to honour the Crimes of May deaths. Photo Rovena Rosa/Agência Brasil

“Eu morri há quinze anos. Aquele tiro que acertou meu filho, acertou meu coração primeiro. Cada bala que entrou no corpo dele, entrou no meu”, diz Debora Maria da Silva, uma das fundadoras do movimento Mães de Maio. O filho dela, Edson Rogério Silva dos Santos, tinha 29 anos quando se tornou uma das vítimas dos “Crimes de Maio”.

Em 12 de maio de 2006, uma facção criminosa deflagrou uma série de rebeliões coordenadas e promoveu, fora das prisões, ataques a agentes públicos.Entre os dias 12 e 21 de maio, membros de grupos de extermínio promoveram então uma “onda de resposta”, que foi marcada por “violência exacerbada, execuções sumárias, chacinas, centenas de homicídios e diversos desaparecimentos”, como registrou o relatório. A revanche — que atingiu, sobretudo, a periferia e diversas pessoas que não tinham ligação com a facção — ficou conhecida como “Crimes de Maio”, deixando mais de 500 mortos e 110 feridos, de acordo com um levantamento feito pela Conectas e a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foram 8,6 mortes de civis para cada agente público.

“A mesma polícia que matou meu marido, também matou meu filho”, recorda Silva. “A gente percebe que existe um projeto para matar os indesejáveis. E esse projeto tem cor, classe e gênero. Primeiro, atinge mais os homens, mas, em segundo lugar, atinge também as mulheres, que são as mães. É preciso lutar contra esse fuzil apontado para a juventude negra.”

Não se trata de uma constatação qualquer. Além de ajudar a fundar um movimento que busca retratações pelos assassinatos e de fazer ouvir suas reivindicações até em música do rapper Emicida, Silva também se tornou pesquisadora. Em 2018, ela apresentou os resultados de um estudo do qual fez parte, ao lado de pesquisadores da Unifesp  e da Universidade de Oxford. De acordo com o levantamento — que analisou 60 mortes dos Crimes de Maio na Baixada Santista —, 74,5% das vítimas eram jovens, entre 15 e 29 anos; 91% eram do sexo masculino; e 62% morreram com disparos de bala no tórax ou na cabeça. A pesquisa constatou ainda o encerramento prematuro dos inquéritos policiais, mostrando que os crimes ainda continuam impunes.

Para Thayná Yaredy, assessora do Programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas, todo este contexto de alta letalidade e de descaso em solucionar os crimes mostram como o Estado não preserva as garantias fundamentais das vítimas e de seus familiares.

Crucificados pela violência

Entre as centenas de vítimas, quatro não integram nenhuma das estatísticas de homicídio. São os desaparecidos forçados, que tiverem retirado, inclusive, o direito de morrer. Paulo Alexandre Gomes, o Paulinho, de 23 anos, é um deles. “O que a gente tem é saudade e a esperança de saber o que aconteceu. Mas quem vai falar?”, questionou a sua mãe Maria das Graças Gomes, ao jornal O Estado de S.Paulo, em 2016. “Acho que Deus resolveu tomar conta, e eu não sei onde ele está. Um dia vou saber. Não sei que horas, que minuto, mas eu vou saber”, espera ela, lembrando do assassinato de outra filha, aos 17 anos. “Todos nós temos uma missão aqui na Terra. A minha foi ter tido três filhos – e dois seriam crucificados pela violência.”

A terceira filha, Francilene Gomes Fernandes, fez mestrado em Serviço Social e escreveu a dissertação “Barbárie e Direitos Humanos: As Execuções Sumárias e Desaparecimentos Forçados em Maio (2006) em São Paulo”, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). No trabalho, ela aponta as semelhanças entre as quatro vítimas, que eram negras ou pardas e sem ensino fundamental. Registra ainda que, nos quatro casos, testemunhas presenciaram policiais da Força Tática ou da Rota abordando as vítimas antes do desaparecimento. E lembra, citando pesquisa da Faculdade de Direito de Harvard em parceria com a ONG Justiça Global, que as provas indicam abuso policial, com assassinato de pessoas em circunstâncias que nada tinham a ver com legítima defesa.

Como escreveu Fernandes, “o desaparecimento forçado tipifica o crime de sequestro qualificado — crime permanente, cujo término da consumação não pode ser fixado enquanto não identificados eventuais restos mortais, pois há possibilidade do crime ainda estar sendo consumado”. Além de seu irmão Paulinho, integram a lista de desaparecidos Ronaldo Procópio Alves, de 30 anos, que estava em liberdade provisória; e os guardadores de carro Diego Augusto Sant’Anna, de 15 anos, e Everton dos Santos Pereira, de 24.

Animação percorre os 15 anos dos Crimes de Maio; assista

“Infelizmente, não houve responsabilização dos agentes públicos envolvidos nas mortes, nem investigação dos grupos de extermínio que agiam na época”, lembra Yaredy. “Foi um grande marco de descaso das autoridades na responsabilização de agentes públicos que executam as pessoas, tal qual outros episódios em São Paulo, como o do Carandiru.”

No mês em que os desaparecimentos completam 15 anos, a Conectas e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo apresentam uma nova denúncia na CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos). “A ideia é obrigar o Estado a tomar as providências de reparação pelos danos e violências sofridos pelos desaparecidos e suas famílias; e tomar medidas estruturais no país todo para coibir e responsabilizar os agentes envolvidos em casos de desaparecimento forçado”, explica Gabriel Sampaio, coordenador do Programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas.

Apesar da luta por direitos, para as mães que perderam seus filhos pelo poder do Estado, jamais existirá compensação suficiente. “Quando você perde um marido, se torna viúva. Quando perde um pai ou uma mãe, se torna órfão”, explica Debora Maria da Silva, das Mães de Maio, “mas não existe nome para quando você perde um filho. Não existe ciência para isso.”

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