Reconhecendo a importância das câmeras corporais na segurança pública, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, determinou, na segunda-feira (10), que o Governo de São Paulo siga as diretrizes do Ministério da Justiça (MJ) para a instalação e uso dos equipamentos na Polícia Militar (PM). Segundo as novas regras, o acionamento dessas câmeras pode ser automático, com gravação contínua, ativado durante as atividades de policiamento dos militares.
O ministro se manifestou no âmbito de uma ação, a Suspensão de Liminar 1696, apresentada ao STF pela Defensoria Pública de São Paulo, com apoio da Conectas e Plataforma JUSTA, que tem por objetivo restabelecer decisão tomada em Ação Civil Pública, na Vara da Fazenda Pública de São Paulo que determinava o uso obrigatório de câmeras nas Operações Escudo. Ao longo do processo foi requerida a suspensão de um edital do governo paulista que regulamenta o uso dos equipamentos.
Em resposta ao STF, a PM paulista anunciou que as câmeras corporais devem ser acionadas em todas as ocorrências e abordagens. A corporação lançou em maio um edital para aquisição de novos equipamentos de gravação para serem usados nas fardas dos policiais.
Ainda que o ministro não tenha suspendido o edital paulista, Barroso destacou que as câmeras corporais são fundamentais para a transparência e responsabilidade das ações policiais. Para assegurar a eficácia dessas medidas, o ministro exigiu que o Governo de São Paulo apresente um relatório de avaliação da efetividade dos novos equipamentos seis meses após o início de seu uso. Esse relatório deverá analisar tanto a performance dos dispositivos quanto do software responsável pelas gravações.
A PM lançou um edital em maio para a aquisição de novos dispositivos, o que aumentará o número de câmeras de pouco mais de 10 mil para 12 mil. No entanto, o edital introduz diversas mudanças no sistema de monitoramento. As câmeras não gravariam mais ininterruptamente durante toda a jornada de trabalho; agora, deverão ser ativadas manualmente pelo policial ou remotamente pelo comando da PM.
Além disso, o tempo de armazenamento das imagens foi reduzido de três meses para 30 dias. Em casos de tensão, onde o policial ativa um modo especial de alta qualidade, as imagens podem ser armazenadas por até um ano.
Essas mudanças foram alvo de críticas por especialistas e organizações de defesa dos direitos humanos. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos GENI/UFF, o Instituto Vladimir Herzog, a Conectas e o , entre outras entidades, emitiram uma nota conjunta condenando a descontinuidade da gravação ininterrupta. Segundo essas organizações, a alteração compromete a eficácia do programa e representa um desperdício de recursos públicos. Elas argumentam que a gravação contínua é essencial para garantir a transparência e a responsabilidade nas operações policiais.
Antes mesmo do edital, PMs de São Paulo já manipulavam as câmeras corporais e burlavam o sistema de armazenamento das imagens captadas em serviço. São várias fontes relatando o mesmo problema: policiais civis, militares, promotores, membros do Judiciário e pesquisadores de segurança pública entrevistados pelo UOL em uma reportagem especial sobre o tema.
O uso de câmeras corporais para policiais captarem imagens em abordagens vem sendo defendido por especialistas em segurança pública e direitos humanos. Uma das principais vantagens é a redução da letalidade policial nas abordagens por conta do uso do equipamento. Outro ponto importante é a maior segurança que o equipamento oferece para os próprios agentes.
“O equipamento tem importância para a qualificação de investigação criminal, controle externo da atividade policial e tutela da vida e integridade física de agentes públicos e cidadãos direta ou indiretamente envolvidos em atuação ou abordagem policial’’, afirma Gabriel Sampaio, diretor de litigância e incidência da Conectas.
Uma pesquisa, divulgada em maio de 2023 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, demonstra que em São Paulo a redução chegou a 62,7% nas mortes por intervenções de policiais militares em serviço – a maioria (76,2%) em batalhões que faziam parte do programa de câmera corporal.A morte de policiais paulistas em serviço também diminui em 62,7% no estado – de 697 mortes em 2019 para 260 em 2022, de acordo com pesquisa Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.