O Comitê da ONU contra a Tortura (CAT) divulgou suas conclusões sobre a revisão do Brasil e medidas que devem ser tomadas para combater a tortura no país.
Em abril, o Brasil foi avaliado pelos especialistas do CAT, procedimento que todos os países signatários da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura passam periodicamente. A última revisão brasileira tinha sido feita há 20 anos por atraso do Estado em submeter seus relatórios.
O relatório apontou que a tortura e outras violações relacionadas a esta prática ainda são comuns em diversas partes do Brasil, especialmente em prisões e áreas periféricas urbanas e rurais, sendo pessoas negras, quilombolas, indígenas, mulheres e LGBTI+ as principais vítimas. O Comitê solicitou ao Brasil que forneça, até 12 de maio de 2024, informações sobre as medidas adotadas perante suas recomendações, especialmente em quatro pontos:
1 – Adotar medidas urgentes para acabar com o uso excessivo de força, especialmente letal, praticada por agentes da lei e oficiais militares.
2 – Prosseguir esforços para eliminar a superlotação em todos os centros de detenção.
3 – Alinhar o sistema de justiça juvenil totalmente com normas internacionais e promover alternativas à detenção, certificando que este recurso seja o último possível.
4 – Estabelecer uma rede de mecanismos preventivos à tortura em todos os estados e garantir que esses órgãos tenham recursos e independência.
Segundo os especialistas do Comitê, o Brasil deve tomar medidas urgentes para acabar com o uso de força excessiva, especialmente a força letal por parte das autoridades policiais e militares. Nesse sentido, a desmilitarização das polícias é uma ação importante. Assim, o Comitê da ONU contra Tortura recomenda ao Brasil: uso de armas menos letais durante as atividades de policiamento, especialmente em áreas com grande presença de civis; fortalecimento de mecanismos de supervisão independentes de agentes de segurança pública, garantindo que todas as queixas de uso excessivo da força sejam apuradas; e garantia de reparação às vítimas e famílias em caso de violações.
O informe da ONU considera que as prisões brasileiras são espaços marcados por violações de direitos humanos. Nesse sentido, afirma que para combater a tortura no Brasil, é necessário treinamento adequado para as forças policiais e prisionais, a implementação de medidas de prevenção da tortura em locais de detenção, a criação de mecanismos independentes de monitoramento e a garantia de que as vítimas de tortura tenham acesso à assistência jurídica e médica necessária.
O documento alertou também para a “superlotação nas prisões e a altíssima taxa de encarceramento, inclusive em prisão provisória, de jovens afro-brasileiros de ambos os sexos por crimes relacionados a drogas”. Nesse mesmo ponto, os especialistas demonstraram preocupação com o uso de perfilamentos raciais nas abordagens policiais, caracterizada como discriminação racial sistêmica.
Os especialistas do CAT criticaram a realização virtual das audiências de custódia, movimento que se iniciou durante a fase mais aguda da pandemia de covid-19 e segue até hoje. Diante disso, a ONU recomendou a retomada imediata das audiências de custódia com a presença física da pessoa detida, perante um magistrado e em sede judicial. Desse modo, para o comitê este procedimento é uma salvaguarda necessária e imprescindível para avaliar a legalidade da detenção, colocar a pessoa sob controle judicial e prevenir, investigar e garantir a responsabilização em todos os casos de tortura ou maus-tratos.
O relatório avaliativo demonstrou preocupação com a não garantia processuais estabelecidas na legislação brasileira em caso de pessoas presas. A ONU lista como problemas: casos de advogados não autorizados a se reunir com seus clientes durante o período da investigação, falhas no direito de notificar um parente ou uma pessoa de sua escolha em caso de precisão e a falta de independência dos peritos criminais.
O Comitê demonstrou também preocupação com os direitos sexuais e reprodutivos no Brasil. Chamou a atenção para o alto índice de mortalidade materna, especialmente entre as mulheres afro-brasileiras, indígenas e quilombolas e a contínua criminalização do aborto, exceto em casos de estupro, ameaça à vida da mãe ou feto anencefálico, “o que faz com que muitas mulheres e meninas recorram ao aborto clandestino e inseguro”. A violência obstétrica também está entre os pontos de alerta da ONU.
Portanto, o órgão internacional recomendou ao Estado brasileiro a continuidade de seus esforços para melhorar o acesso das mulheres à saúde sexual e reprodutiva, a revisão do Código Penal para descriminalizar a interrupção voluntária da gravidez, considerando as diretrizes da Organização Mundial da Saúde, assim como o aumento de treinamento antirracista e baseado nos direitos humanos de todos os profissionais de saúde envolvidos na prestação de serviços de saúde sexual e reprodutiva, principalmente às mulheres negras, indígenas e quilombolas.
“As conclusões do CAT são um lembrete da necessidade de se combater a tortura em todas as suas formas e de garantir que as vítimas recebam a devida assistência e justiça”, afirma a advogada Carolina Diniz, coordenadora do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas. Ela lembra que durante o processo de revisão na ONU, em abril, o governo brasileiro se comprometeu a tomar medidas efetivas contra essas violações. Em seu pronunciamento diante dos especialistas do CAT e integrantes da sociedade civil brasileira, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio de Almeida, afirmou que o combate à tortura é fundamental para a democracia brasileira.
“Portanto, espera-se que a pasta dos Direitos Humanos dê andamento a essas medidas propostas e trabalhe de forma efetiva e integrada com outros organismos, como o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, que participaram da missão do governo brasileiro em Genebra”, completa.