Entenda o principal instrumento de avaliação internacional de direitos humanos da ONU e como funciona o processo
(Atualizado em dezembro de 2017)
O que é a RPU?
A cada quatro anos e meio, aproximadamente, todos os Estados-membros da ONU precisam prestar contas aos outros países do que têm feito para garantir os direitos de seus cidadãos. Trata-se de uma sabatina sobre a situação de direitos humanos que acontece no Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, Suíça. Entenda porquê a RPU é o principal instrumento de avaliação de direitos humanos da ONU e como funciona o processo:
O Brasil no banco dos réus
No dia 5 de maio de 2017, o Brasil passará por sua terceira revisão desde que a RPU foi criada pela ONU. Nessa ocasião, os outros Estados-membros vão fazer recomendações ao país tendo como base três documentos:
A Conectas foi uma das organizações da sociedade civil que enviou contribuições à ONU sobre os principais desafios de direitos humanos que o Brasil enfrenta. A organização participou, em conjunto com outras entidades, de oito dos 53 relatórios que a ONU recebeu sobre o país. Acesse os relatórios (em inglês):
A conclusão da RPU acontece quando os outros Estados-membro fizerem recomendações ao Brasil para melhorar a situação dos direitos humanos em casa. O país pode aceitar ou rejeitar as recomendações. Para a Conectas, são 15 as recomendações mais urgentes para o Brasil, dispostas nas seguintes temáticas:
Empresas, direitos humanos, direito ao desenvolvimento e problemas ambientais
Estabelecer normas para bancos públicos, especialmente para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), para os fundos de previdência públicos e outras agências estatais de desenvolvimento de avaliação de seus investimentos com base nos potenciais impactos que possam ter sobre os direitos humanos e implementar um mecanismo independente de reclamações e ouvidorias apropriados para as necessidades de comunidades afetadas e fornecer total remediação.
O Brasil deve abster-se de financiar projetos de desenvolvimento econômico que violem os direitos das populações tradicionais, povos indígenas e trabalhadores e que causem danos ao ambiente e deve garantir remediação eficaz com significativa consulta às comunidades afetadas.
Direito ao trabalho e condições de trabalho justas e favoráveis
O Estado brasileiro deve exigir que os bancos públicos instituam políticas para impedir a concessão de apoio financeiro aos empregadores que fazem uso de trabalho escravo e impor a inclusão do empregador na “Lista Suja” do trabalho escravo.
O Brasil também deve regulamentar a Emenda Constitucional 81/2014, permitindo a apreensão de terras e propriedades onde trabalhadores foram submetidos a condições análogas ao trabalho escravo. A regulamentação não deve minimizar o conceito de trabalho escravo.
Direito ao trabalho e condições de trabalho justas e favoráveis
Abolir todos os decretos e iniciativas que enfraquecem os direitos dos povos indígenas e de grupos vulneráveis. O Estado brasileiro deve abster-se de reverter os direitos dos grupos vulneráveis, dos direitos dos povos indígenas e do processo de licenciamento ambiental. Estes mecanismos e direitos devem ser plenamente respeitados, protegidos e cumpridos.
Direito à seguridade social e a um adequado padrão de vida
Acompanhar continuamente e adotar ações para garantir que as medidas de austeridade não tenham um impacto negativo sobre os direitos econômicos, sociais e culturais, especialmente os direitos a uma habitação adequada, saúde, alimentação e educação.
Liberdade de associação e reunião pacífica
Revogar a Lei nº 13.260 para que suas definições vagas de terrorismo não possam ser utilizadas para criminalizar o exercício legítimo do direito à liberdade de reunião.
Tomar medidas para promover um ambiente seguro, respeitoso e propício para a sociedade civil, inclusive através da remoção de medidas legais e políticas que limitam injustificadamente o direito à associação. Isso inclui a gestão adequada de protestos, tal como proposto pelo relatório conjunto A/HRC/31/66 dos Relatores Especiais da ONU sobre a liberdade de reunião pacífica e execuções extrajudiciais, a imediata investigação de abuso policial após protestos e a implementação de um controle estrito e transparente de armas menos letais.
Migrantes e refugiados
Adaptar a legislação de imigração às normas internacionais de direitos humanos, revogando o Estatuto do Estrangeiro (Lei Federal 8.615) e promover a rápida aprovação pelo Congresso Nacional de uma nova lei de migração baseada na perspectiva dos direitos humanos e que trate os princípios de (A) não discriminação, independentemente da situação migratória; (B) não criminalização da migração, incluindo o princípio da não detenção do migrante por razões relacionadas com a sua situação migratória; (C) estabelecimento de procedimentos eficazes e acessíveis para a regularização da migração como uma obrigação do Estado e um direito do migrante; E (D) o direito de acesso à justiça e ao devido processo legal.
Assegurar o devido processo legal aos migrantes que se encontrem em espaços destinados a reter e manter pessoas que tenham sido inadmitidas ou impedidas de seguir viagens de conexão em aeroportos brasileiros, incluindo a notificação ao Defensor Público da União de todos os casos existentes e em um tempo de permanência máxima de 24 horas.
Administração da Justiça, incluindo impunidade e o estado de direito
Rejeitar a proposta de emenda constitucional em tramitação no Congresso para a redução da maioridade penal e aumento do tempo de internação de menores.
Revisar a atual política nacional sobre drogas (lei 11.343/06) e tomar medidas para a descriminalização de todas as drogas como forma de reduzir os níveis de encarceramento em massa no Brasil.
Aprovar com urgência as leis 7.764/14 e 3.832/15 que proíbem o uso da revista vexatória nos sistemas adulto e socioeducativo e garantir sua efetiva implementação.
Estabelecer medidas para reduzir drasticamente os índices de encarceramento em massa, como a aplicação da Lei 12.403/11 sobre Medidas Cautelares e garantir a continuidade e melhoria da coleta de dados sobre o sistema prisional para assegurar um diagnóstico nacional da situação de privação de liberdade no Brasil e melhor compreensão do sistema prisional.
Implementar integralmente as audiências de custódia em todo o país como forma de prevenir a tortura e o encarceramento em massa. Juízes e promotores públicos que atuam nas audiências de custódia devem passar por treinamento específico, de acordo com o Protocolo de Istambul.
Reformar o modelo de polícia militar. Existe uma necessidade urgente de reformar o modelo de polícia militar que ainda enxerga o cidadão como inimigo potencial a ser combatido. Esta reforma estrutural deve ser guiada pelos seguintes princípios: ciclo completo, em que policiamento ostensivo e investigação sejam realizados pela mesma força policial; uma força composta apenas por civis; carreira única; e implementação de ouvidorias independentes.
Recomendações atuais
Durante o terceiro ciclo de revisão, em maio de 2017, o Brasil recebeu 246 recomendações dos outros Estados-membros da ONU, das quais apenas quatro foram rejeitadas. O governo brasileiro apresentou as justificativas para rejeição durante a 36a. sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, realizada em 21 de setembro de 2017.
ONU – o terceiro ciclo da RPU Brasil:página de internet com todas as informações sobre o processo da RPU Brasil. Acesse relatórios oficiais e recomendações dos outros países durante o terceiro ciclo da revisão.
RPU Brasil:em 2016, o Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa, do qual a Conectas faz parte, promoveu oficinas para organizações da sociedade civil sobre como participar da RPU na produção de relatórios para contrapor informações oficiais do governo. Ele também mantém um site com informações sobre o processo de revisão.
UPR Info: com sede em Genebra, foi criada para ampliar a participação da sociedade civil no processo de revisão dos direitos humanos em todos os países-membros da ONU. O site oferece materiais e informações sobre o mecanismo.